

Paulo Sérgio Rosseto
Porto Seguro/BA. Escritor e Poeta.
Livros Publicados: 24
Livros no Prelo: 04
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Livros à venda: clubedeautores.com.br
Instagram: @psrosseto
1960-04-11 Guaraçai - SP
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A SEDE DA RUA
NAQUELA NOITE UM MUNDARÉU DE ÁGUA
SENTINDO-SE REPRIMIDA
DESCEU DECIDIDA A NÃO MAIS SER ENGOLIDA
PELAS BOCAS DE LOBO
E INUNDOU E CEIFOU MUITAS VIDAS
Após três semanas de intensas chuvas, minha rua de areia preguiçosamente ainda filtra as ultimas poças, cuja lama vai sendo ressequida pelo forte sol e o fétido cheiro do barro recoberto de composto vazado dos dutos da Embasa se dissipam dissolvendo a nata. O mundo inteiro soube que choveu muito neste canto baiano, aliás, muito além do esperado e previsto, inundando ruas e ruas e avenidas, transbordando rios, desfazendo riachos, arrebentando córregos, invadindo espaços como pode. Agora, a natureza se refaz, ou nos refaz de sua tresloucada descarga pluvial.
Estranho que as ruas calçadas sempre tiveram um recalque comigo. A princípio, nunca residi em uma casa cuja rua fosse pavimentada. Quando solteiro, a Rua 2 de Julho (hoje Dr Munir Thomé) era puro areião vermelho misturado a bosta de cavalo. Casei. Fui morar no Santos Dumont, na rua vermelha recoberta por cascalhos e carrapicho. E foi a conta de mudar de casa, meteram asfalto de uma ponta à outra da Thomé. Dois anos passados, nos mudamos para a Lapa, e oh o mundão de terra se repetindo por aquelas bandas. Ah, foi virar a esquina e dar tchau para o Santos Dumont, o piche recobriu todo o seu vermelhão... Interessante que o único trecho da Lapa sem asfalto media exatos cem metros, justamente onde foi erguida a minha nova casa. Mais seis anos de areia e lama, e vice-versa. Resolvemos mudar de Cidade. Adeus MS, vamos pra Bahia. E foi trocar de Estado, também tingiram de negro aquele estranho pedaço que faltava.
Após três ou quatro ruas trocadas por aqui, esta permanece mantendo as origens. Areia esbranquiçada, misto de antiga praia e restinga, duzentos metros distante do mar, lençol freático à flor da terra, chupa toda a agua possível que desce até mesmo fora das previsões normais. Um caiaque azul já navegou por ali há anos atrás, então não é a primeira vez que o Chamagunga joga a aguada fora.
As aguas cansaram da rotina das mitigadas bocas de lobo, fugiram para os lados e acima, preencheram todos os fossos, apagaram rastros, invadiram quintais, deixaram lodo e lama. As areias da rua as consumiram, matando a sede do subsolo, vertidas por Deus. Sobrou a céu aberto uma camada nesga de terra úmida suficiente para colar solas de sapatos e pneus. Até que seque tudo, ou chova mais.
www.psrosseto.webnode.com
SENTINDO-SE REPRIMIDA
DESCEU DECIDIDA A NÃO MAIS SER ENGOLIDA
PELAS BOCAS DE LOBO
E INUNDOU E CEIFOU MUITAS VIDAS
Após três semanas de intensas chuvas, minha rua de areia preguiçosamente ainda filtra as ultimas poças, cuja lama vai sendo ressequida pelo forte sol e o fétido cheiro do barro recoberto de composto vazado dos dutos da Embasa se dissipam dissolvendo a nata. O mundo inteiro soube que choveu muito neste canto baiano, aliás, muito além do esperado e previsto, inundando ruas e ruas e avenidas, transbordando rios, desfazendo riachos, arrebentando córregos, invadindo espaços como pode. Agora, a natureza se refaz, ou nos refaz de sua tresloucada descarga pluvial.
Estranho que as ruas calçadas sempre tiveram um recalque comigo. A princípio, nunca residi em uma casa cuja rua fosse pavimentada. Quando solteiro, a Rua 2 de Julho (hoje Dr Munir Thomé) era puro areião vermelho misturado a bosta de cavalo. Casei. Fui morar no Santos Dumont, na rua vermelha recoberta por cascalhos e carrapicho. E foi a conta de mudar de casa, meteram asfalto de uma ponta à outra da Thomé. Dois anos passados, nos mudamos para a Lapa, e oh o mundão de terra se repetindo por aquelas bandas. Ah, foi virar a esquina e dar tchau para o Santos Dumont, o piche recobriu todo o seu vermelhão... Interessante que o único trecho da Lapa sem asfalto media exatos cem metros, justamente onde foi erguida a minha nova casa. Mais seis anos de areia e lama, e vice-versa. Resolvemos mudar de Cidade. Adeus MS, vamos pra Bahia. E foi trocar de Estado, também tingiram de negro aquele estranho pedaço que faltava.
Após três ou quatro ruas trocadas por aqui, esta permanece mantendo as origens. Areia esbranquiçada, misto de antiga praia e restinga, duzentos metros distante do mar, lençol freático à flor da terra, chupa toda a agua possível que desce até mesmo fora das previsões normais. Um caiaque azul já navegou por ali há anos atrás, então não é a primeira vez que o Chamagunga joga a aguada fora.
As aguas cansaram da rotina das mitigadas bocas de lobo, fugiram para os lados e acima, preencheram todos os fossos, apagaram rastros, invadiram quintais, deixaram lodo e lama. As areias da rua as consumiram, matando a sede do subsolo, vertidas por Deus. Sobrou a céu aberto uma camada nesga de terra úmida suficiente para colar solas de sapatos e pneus. Até que seque tudo, ou chova mais.
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