Jacqueline Batista

Jacqueline Batista

1966-12-07 Uberlândia MG
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ALZHEIMER: a dor do esquecimento

Lembro-me perfeitamente dos tempos de infância

De correr pelas campinas, apartar as vacas

Brincar com meus irmãos, ir aos bailes para namorar

O tempo passado me é o mais presente

Esse presente que são apenas borrões

Sei que fico agressiva, irritada

Repito as mesmas perguntas o tempo todo

Os que estão a minha volta também se irritam

Não sei o que acontece comigo

Esforço-me para lembrar, mas não consigo

Percebo minha fala estranha

Não consigo formular frases, nem as mais banais

Por isso acho melhor ficar calada

Esqueço o chuveiro ligado, mas nem sabia

Que tinha ido ao banheiro

Alguns rostos à minha frente não consigo distinguir

Acho que são meus, mas não me lembro

Dizem que são meus filhos, meu marido

Mas eu não os acho na minha memória

São estranhos que brigam comigo

Meu andar já não é tão fácil como nos tempos de juventude

Será que caí e me machuquei?

Não me lembro

Vejo os dias nascerem e partirem

E vou criando um mundo só meu

Pareço uma estranha diante de tantos estranhos

Só queria que não brigassem comigo

Fico sozinha querendo entender  as coisas

E me disperso com tanta facilidade

Será que estou doente e não me dizem nada

Ontem tentei comer um pãozinho sozinha

Mas as minhas mãos me traíram

Agora elas tremem e evito segurar as coisas

Porque esses estranhos brigam comigo

Passo horas olhando o céu, existe alguém lá

Mas não consigo me lembrar

Hoje eu ganhei um abraço, fiquei tão feliz

Mas não sei quem é a moça

Ela diz que é minha filha

Mas eu não sei se tenho filhos

Fiquei com pena dela, coitada

Ela acha que eu sou a mãe

Vejo-me tão enrugada, acho que estou velha

Mas nem sei que idade tenho

Será que já cheguei aos quarenta?

Perguntei  isso outro dia e um rapaz

Que eu nem conheço me chamou de vó

Achei tão estranho...



#daalmaparaaescrita

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