Sopra o vento
Sopra o vento,
Que amaina as lágrimas que caiem
Sedentas dos teus olhos cor de mar,
Descem por teu gesto, já rugoso,
Com traços do tempo que ninguém faz parar;
Olhos opacos vidrados no além,
Contavas-me o quão triste foste toda a tua vida,
O quanto choraste ao céu que ouvisse
As tuas presses de puritana rendida;
Avó, que lindo nome o teu!
Maria dos meus encantos
Por quem me apaixonei um dia,
Aquela que me permitia olhá-la
A entrançar belos e ondados fios de ouro,
Aquela que diante de mim sofria!
Tinhas um cantar de encantar, Chorava eu de fininho,
Tardes passadas no terraço
A ouvir as melodias da primavera,
Sentada a olhá-la, formosa,
Maria a lavar as vestes
Quando para mim dissera:
Sempre tão chorosa;
Minha Maria enchia-me a leda alma
Quando, de noite, sussurrava ao ouvido
Tudo o que um coração não ouve;
Com os seus braços em volta de mim,
Nas noites gélidas de Janeiro, Jurei que dali não sairía nunca mais,
Juramento matreiro!
Vim saber que o tempo não parava,
Vim saber que nunca mais cantaria para mim,
Vim saber que perdera a minha circe;
Soube que te irias
Quando parada a olhar para ti,
Maria, quase sem vida,
Me pedias, sofregamente,
Para sanar a tua dor;
Despedi-me.
De ti, do tempo e das lembranças.
Vim afogar as malditas mágoas
Daquela que costumava ser a minha rainha,
A velha das fartas tranças;
O teu olhar sem vida lembra-me
Do fastidioso tempo que passou, Queria poder também amar-te,
Mas o meu coração não ajuda
A amar a quem me deixou;
Hoje, olho para ti com a saudade do passado,
Com a esperança de voltar a olhar a minha Maria,
Que tomou o meu coração despedaçado!
Hoje sou eu quem faz as tranças,
Quem canta aos céus
que te leve completamente de mim
E deixe somente as boas lembranças.