círios da memória...

Círios da memória

na cómoda antiga
havia sempre flores
e imagens de santos,
e minha avó em prantos
lembrando de seus amores
rezava uma ladainha
em voz baixinha.

grandes alguidares de barro
no forno
amassava-se o pão
benzendo-o com oração
"Deus te acrescente,
que és alimento de muita gente"
aqui ali um adorno,
uma sertã, uma cafeteira,
e na quinta feira
da Ascenção, um raminho de oliveira.

nas vigas da chaminé
penduravam-se os enchidos
e nas brasas fervia-se o café
enquanto a trovoada, zenia aos
nossos ouvidos.

a roupa mil vezes passajada
as iguarias poucas
às vezes imensa comoção
e todos os dias
a sopa e o pão.
na paz do alheamento,
se repousava em frente à lareira
deixava-se correr o pensamento,
e faziam-se contas duma vida inteira.

as silvas já formavam amoras
comê-las? Só quando maduras
em doce caseiro comido nas horas
de menos farturas...
a cor vermelha era como cilada
para atrair a passarada...
já se ouvia o barulho dos carros
o chiar dos eixos,
fugia a passarada, atordoada
abandonando os freixos.

e a lua aparecia e desaparecia
o sol nascia e morria
e assim a fé crescia
enquanto a vida corria..

natalia nuno
rosafogo

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