Carol Ortiz

Carol Ortiz

Nasci em Campinas, SP e vivi em muitos lugares pelo mundo. Escrevo poemas desde criança e sou apaixonada por música, literatura, viagens e pessoas

18 setembro Campinas, SP
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UM CONTO DA VIDA

Amaram-se a noite toda. Então, ao amanhecer, ela partiu.
         "Espere, não saia sem pegar seu dinheiro"- disse-lhe isso a fim de humilhá-la ainda mais. Já não bastava terminar uma história de anos de forma tão rude! - "Pegue seu dinheiro e sinta-se paga por todos esses encontros."
          Ela bateu a porta e saiu, chorando. Não entendia como um ser humano era tão baixo e tão malvado. Estava magoada. Sentia-se um lixo, uma infeliz.
          Então foi para casa e sentou-se num canto qualquer. Ficou ali, parada, quieta, calada, pensando...

          "Realmente é positivo. Acho que devo os parabéns! A senhora vai ser mãe."
          "Como disse?" foi a única frase que conseguiu pronunciar. A angústia e desespero brotavam por seus poros. Como suportar tudo isso? Era sozinha no mundo e a pessoa mais próxima era o pai do filho em sua barriga.
           Então foi para casa e sentou-se num canto qualquer. Ficou ali, parada, quieta, calada, pensando...

          O telefone tocou de madrugada e uma voz rouca de mulher atendeu. Quem poderia ser? Outra amante? Agora o desprezava mais e mais e sentia sua última gota de auto-estima evaporar-se no ar nebuloso em que se encontrava.
          Foram quase dez anos de desespero, ameaça, ilusão e sofrimento. Dez anos construídos sobre uma base de sonhos que escorregaram para o nada!
          Sentou-se num canto qualquer e ficou ali, parada, quieta, calada, pensando...

          "Grávida?! Como? Não, não pode ser! Sinto, mas tenho minha vida para cuidar"
          Outra vez humilhada, massacrada. Sua pobreza a sufocava e a riqueza dele a esmagava profundamente, perfurando o resto de sobriedade guardada. Tentou conter o choro e sufocar o que restava de sentimentos.
          Foi para casa e encostou-se num canto qualquer, ficando ali, parada, quieta, calada, pensando...

          O dinheiro estava acabando. Trabalhava como louca e cuidava da cria que se perdia no meio da garotada do bairro. 
          O menino ia fazer 9 anos. Por mais que tentasse negar, seu filho carregava a forte semelhança física do pai. Naquele ano queria dar-lhe um presente. Um luxo no meio de tanta dificuldade! Contou as economias e conseguiu comprar um jogo de canetas e lápis coloridos.
          Estava entrando na toca em que viviam, quando viu, na TV, o novo personagem da semana: Sr. Maldade e Família! Ele, impecavelmente apresentado, estava com a esposa jovem e impecavelmente arrumada, que segurava nas mãos os dois filhinhos impecavelmente fofinhos e gorduchinhos. A Família Impecável estava em um programa dando entrevistas sobre banalidades de um mundo impecavelmente perfeito.
           Em choque, ela olhou-se no espelho. Seus cabelos eram opacos e despontados, a pele descuidada e enrugada. A magreza salientava-se e a aparência era de muito mais idade do que realmente tinha.
          Olhou para o filho e viu um menino magro, lombriguento, com trapos velhos e rasgados. Um cachorrinho sarnento com medo do mundo.
           Seus olhos se encheram de lágrimas. Então, foi sentar-se, ficando ali, parada, quieta, calada, cansada, pensando...

           Ele estava no escritório aquele dia. Ficou lá até tarde da noite. As luzes estavam apagadas e a sala era iluminada apenas por uma lâmpada fraca.
           Uma mulher bem mais jovem do que sua jovem esposa, vestia-se sensualmente, enquanto ele, ainda nú, bebia um copo de uisque.
           Ela ficou ali, do lado de fora, esperando. Viu quando beijos de despedida rolaram e quando a loura saíu pelos fundos. Ele, só, recostou-se na poltrona de couro olhando para o nada.
          Alguém tocou a campanhia. Ele foi atender. Era ela.
          "Como está feia e abatida! Sorte que a deixei." - foram os pensamentos dele.
           Ela o empurrou e entrou no escritório. Mostrou-lhe a foto do menino e aguardou a reação. 
           Ele olhou espantado: "Que bichinho feio!"- pensou. Mas tinha seu sorriso, não podia negar. Então, o inesperado aconteceu: ele assumiu para si mesmo que tinha mais um filho.
           Ambos em silêncio enquanto ela remexia em sua bolsa. Com um olhar vingativo e com satisfação, atirou todas as balas daquele velho revólver em cima do co-autor do seu sofrimento.
          Ele caiu ali, segurando firmemente a foto do filho que, a partir desse dia, foi morar com sua esposa que agora é viúva.
          Ela, por sua vez, apenas sentou-se num canto qualquer, ficando lá, parada, quieta, calada, pensando... (enquanto danças de luzes vermelhas e sirenes angelicais tocavam a música da insanidade).


ANO: 2000
710
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