Ramalho Ortigão
José Duarte Ramalho Ortigão ComC foi um escritor português.
1836-10-24 Porto
1915-09-27 Lisboa
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Um pouco mais velho do que Antero de Quental, Ramalho Ortigão nasceu numa abastada família nortenha de origem rural, origem essa que haveria sempre de marcar tanto o seu aspecto físico como a sua estrutura moral e que caracterizaria inclusivamente o próprio estilo da sua obra: «fica sempre, pela vida fora, na compleição, nos hábitos, nas aspirações, no paladar e nos músculos, um homem do Norte [...]» (in Augusto de Castro, «Ramalho Ortigão, seu exemplo e sua obra», estudo introdutório de As Farpas, t. I, Lisboa, 1944).Estudou na Universidade de Coimbra, não chegando a concluir qualquer curso, após o que foi professor de Francês no Colégio da Lapa, no Porto, dirigido por seu pai. Talvez lhe tenha ficado dessa época um certo pendor didáctico e uma vontade de incutir nos seus leitores os ideais mais nobres (e por vezes também os mais ingénuos) do primeiro romantismo.Desde 1862 revelara-se como folhetinista e crítico literário de talento no Jornal do Porto, manifestando desde logo um espírito de independência que seria frequentemente mal interpretado por uma longa série de comentadores, apostados em salientar o seu conservadorismo e reaccionarismo.Na Questão Coimbrã, por exemplo, embora partidário da reforma das mentalidades, condenou desassombradamente, no folheto Literatura de Hoje (1866), a forma como Antero atacara Castilho, e esse opúsculo deu origem a um duelo, no Porto, com o poeta das Odes Modernas, de quem, aliás, viria a ser companheiro no grupo dos Vencidos da Vida.Posteriormente foi nomeado oficial da secretaria da Academia das Ciências de Lisboa e mudou-se para a capital. Fez parte do grupo do Cenáculo, que cultivava tanto a boémia como a literatura e donde sairiam as célebres Conferências do Casino (1871).Data justamente deste ano o início da campanha que, de parceria com Eça de Queirós, lançou contra a «estupidez humana e o lugar-comum»: «O único inimigo comum para os últimos dos românticos no jornalismo portuense era a estupidez humana, representada pelo honesto burguês da Rua das Flores e da Rua dos Ingleses, e era o espírito imobilizante de rotina, simbolizado no carroção veículo de família puxado a bois [...].» (As Farpas, t. I.)Pode-se, de facto, datar de As Farpas o início da carreira literária de Ramalho [tanto as Histórias Cor-de-Rosa (1870) como O Mistério da Estrada de Sintra (1870) – feito meio a brincar, de colaboração com Eça de Queirós – são ainda de feitura incipiente]. Como muito bem observa este último: «Diz-se geralmente – Ramalho Ortigão autor de As Farpas; não seria inexacto dizer – As Farpas autoras de Ramalho Ortigão.» É efectivamente com esta obra que Ramalho atinge o tom de toda a sua futura escrita.Saídas em folhetins, de 1871 a 1882 (durante o primeiro ano tiveram a colaboração de Eça de Queirós), As Farpas não poupavam nenhum aspecto da vida portuguesa: «constituem um sistemático e quase que completo curso de sociologia do Portugal da Regeneração, observado de alto a baixo [...]» [João Medina, artigo sobre (As) Farpas in Dicionário de Eça de Queirós, org. e coord. de A. Campos Matos, Lisboa, 1988].Com a nomeação de Eça de Queirós para a missão diplomática em Cuba, Ramalho Ortigão assegurou sozinho, de uma maneira mais ou menos regular, a direcção da publicação, que tomou uma feição mais didáctica e descritiva: «A Eça interessava o riso, não a didáctica, a farpa certeira, não a lição, a troça, não o magistério.» (João Medina, op. cit.)A grande diversidade de assuntos cobertos pelas farpas de R. O. (política, história, religião, acontecimentos mundanos, literatura, costumes) permite ao autor pintar com «voluptuosidade de coleccionador» um grande quadro da vida burguesa e dá-lhe azo a desenvolver a inclinação pedagógica, que nunca o abandonou. Outra das características da obra é ser também uma excelente colecção de impressões de viagem – Ramalho eleva a género literário o gosto das viagens, tão disseminado no século XIX, e sob a sua pena vão nascendo lugares e atmosferas admiravelmente pintados, tanto portugueses como estrangeiros (a Holanda, a Inglaterra, etc.).Esta capacidade de captar o pequeno pormenor, da observação rápida e incisiva, do distanciamento irónico e sarcástico, e, simultaneamente, a grande atenção ao real concreto, aliados a um temperamento extremamente sintonizado com os mínimos cambiantes do sensível, fazem dele um jornalista de talento. Guerra Junqueiro, não sem uma ponta de maldade, e numa altura em que as divergências políticas tinham afastado definitivamente os dois companheiros dos Vencidos da Vida, classifica-o apenas como «um repórter de génio». Nunca é de mais salientar a enorme influência que As Farpas viriam a exercer na opinião pública da época e no estabelecimento de uma consciência nacional, ou, melhor, nacionalista, que, entroncando na tradição neogarrettista, anunciava já o espírito do integralismo lusitano. Bastante se tem escrito sobre o conservadorismo de Ramalho, sobretudo em matéria política e religiosa, tendo-lhe muitos apontado «incoerências» de filosofia e de comportamento.Espírito eminentemente íntegro, manteve-se toda a vida fiel aos ideais românticos em que se formara e que se foram traduzindo de diversas formas em contacto com a experiência e os acontecimentos, o que lhe permitiu ser republicano e revolucionário numa dada fase da sua vida e defender com igual vigor e quixotismo a memória de D. Carlos e da Monarquia, numa fase posterior.É sobretudo a luta que o caracteriza, luta incansável contra todos os obstáculos que impedissem a concretização desses ideais. E é enquanto protagonista deste combate que a sua obra nos toca e atinge a sua perenidade: «Eu sou de uma idade transitória, vim obscuramente num período de transformação, com uma ala de sapadores, e pertenço à pequena companhia antipática dos bota-abaixo.» (in As Farpas, t. I)