José Saramago
José de Sousa Saramago foi um escritor, argumentista, teatrólogo, ensaísta, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português. Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998.
1922-11-16 Azinhaga, Golegã
2010-06-18 Tías, Espanha
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Muito perto do lugar escolhido para o novo acampamento as quatro mulheres que transportavam o fogo gritaram de desespero
Ninguém morrera subitamente ninguém fora arrebatado aos ares pelas águias mecânicas que os ocupantes lançavam sobre os bandos fugitivos
Mas ao apagar-se o fogo acontecera a desgraça de todas mais temida porque com ela seria o tempo do pavor sem remédio do negrume gelado da solidão
E metade da horda viria certamente a sucumbir na tentativa de arrancar às cidades ocupadas um novo lume se para tanto tivesse coragem
Reuniram-se em volta das cinzas e ali mesmo o chefe foi deposto e as quatro mulheres apedrejadas mas não até à morte
Porque os perseguidos estavam tão certos de morrer que respeitavam a vida e provavelmente por isso morriam com tanta facilidade
Assim começou aquela primeira noite de escuridão com todo o bando amassado numa nódoa de sombra sob o pálido e distante luzeiro das estrelas
Como sempre faziam ao fim do dia contaram-se e souberam que eram menos um
E quando apesar da sua tão grande miséria tornaram a lamentar-se por este pouco
Uma criança disse que vira afastar-se na direcção do poente um homem da tribo e que isso fora depois de o lume se apagar
A noite foi como um lastro de lama porque as estrelas estavam longe e ardiam friamente
E o dia seguinte nasceu e passou sem que se movessem dali comeram dormiram e alguns juntaram os sexos para não terem tanto medo
Outra noite se levantou da terra e vieram os lobos mecânicos que levaram consigo de rastos os dez homens mais fortes
Só se afastaram quando o sol começou a aparecer e uivaram de longe com as suas gargantas de ferro enquanto das feridas dos mortos pingava o sangue
Então sobre o disco vermelho viram os homens e as mulheres sobreviventes um ponto negro que aumentava e julgaram que o próprio sol ia apagar-se
Até ao momento em que distinguiram o homem que corria para eles o companheiro que os deixara duas noites antes e que nesse homem havia também um ponto luminoso
Uma labareda que vinha no braço levantado e que era a própria mão ardendo da luz do sol roubada
Ninguém morrera subitamente ninguém fora arrebatado aos ares pelas águias mecânicas que os ocupantes lançavam sobre os bandos fugitivos
Mas ao apagar-se o fogo acontecera a desgraça de todas mais temida porque com ela seria o tempo do pavor sem remédio do negrume gelado da solidão
E metade da horda viria certamente a sucumbir na tentativa de arrancar às cidades ocupadas um novo lume se para tanto tivesse coragem
Reuniram-se em volta das cinzas e ali mesmo o chefe foi deposto e as quatro mulheres apedrejadas mas não até à morte
Porque os perseguidos estavam tão certos de morrer que respeitavam a vida e provavelmente por isso morriam com tanta facilidade
Assim começou aquela primeira noite de escuridão com todo o bando amassado numa nódoa de sombra sob o pálido e distante luzeiro das estrelas
Como sempre faziam ao fim do dia contaram-se e souberam que eram menos um
E quando apesar da sua tão grande miséria tornaram a lamentar-se por este pouco
Uma criança disse que vira afastar-se na direcção do poente um homem da tribo e que isso fora depois de o lume se apagar
A noite foi como um lastro de lama porque as estrelas estavam longe e ardiam friamente
E o dia seguinte nasceu e passou sem que se movessem dali comeram dormiram e alguns juntaram os sexos para não terem tanto medo
Outra noite se levantou da terra e vieram os lobos mecânicos que levaram consigo de rastos os dez homens mais fortes
Só se afastaram quando o sol começou a aparecer e uivaram de longe com as suas gargantas de ferro enquanto das feridas dos mortos pingava o sangue
Então sobre o disco vermelho viram os homens e as mulheres sobreviventes um ponto negro que aumentava e julgaram que o próprio sol ia apagar-se
Até ao momento em que distinguiram o homem que corria para eles o companheiro que os deixara duas noites antes e que nesse homem havia também um ponto luminoso
Uma labareda que vinha no braço levantado e que era a própria mão ardendo da luz do sol roubada
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