Salomé
Tantos anos depois
Não faz nenhum sentido,
Estória tão antiga...
— Eu te amo, eu disse,
Em meu vestido azul
Que um girassol floria.
— Eu também. E teu corpo
Encostado
Ao meu corpo, tremia.
Embriagada eu dançava,
Dilacerando os vestidos.
A interdição entre nós
Crescia como um bicho,
Serpente de pele lisa
E anéis coloridos.
Tantos anos depois
Ainda sonho com isso,
Um brilho de lâmina
E o sangue
A escorrer no ladrilho.
O tempo todo e eu sabia
Que, arrancados os véus,
Restaria o suplício. Restariam
As feridas. Um corpo ausente
E a lenda, de um remoto país
Onde habitei um dia.
Ó funesta tentação
De voltar àquela tarde
Em que dançando selvagem
Ao som de flautas,
Congelei a tua imagem
No fundo das retinas.
O topázio do sol
Ardia como brasa
E eu lavei as mãos
E limpei as sandálias.
No espelho, meu rosto,
Tinha a carne das estátuas.
Na espessura do silêncio,
Um gotejar de mágoa.
Na bandeja, os despojos,
Ainda tintos de vinho,
A cabeleira e os olhos
Acesos como círios.
Tantos anos depois
Não faz mesmo sentido
Mas guardo ainda o espelho
Onde espreito minha sorte,
Onde dia e noite espreito
A sombra que flutua
E se cola
Como máscara, em meu rosto,
Como chaga no coração,
Bem no peito onde o tempo
Enfiou sua adaga.
E danço como nunca mais
Dancei. O rei agora dorme,
Dourado, em seu sarcófago.
Mas ainda tenho os véus,
A bandeja e a espada.
Não faz nenhum sentido,
Estória tão antiga...
— Eu te amo, eu disse,
Em meu vestido azul
Que um girassol floria.
— Eu também. E teu corpo
Encostado
Ao meu corpo, tremia.
Embriagada eu dançava,
Dilacerando os vestidos.
A interdição entre nós
Crescia como um bicho,
Serpente de pele lisa
E anéis coloridos.
Tantos anos depois
Ainda sonho com isso,
Um brilho de lâmina
E o sangue
A escorrer no ladrilho.
O tempo todo e eu sabia
Que, arrancados os véus,
Restaria o suplício. Restariam
As feridas. Um corpo ausente
E a lenda, de um remoto país
Onde habitei um dia.
Ó funesta tentação
De voltar àquela tarde
Em que dançando selvagem
Ao som de flautas,
Congelei a tua imagem
No fundo das retinas.
O topázio do sol
Ardia como brasa
E eu lavei as mãos
E limpei as sandálias.
No espelho, meu rosto,
Tinha a carne das estátuas.
Na espessura do silêncio,
Um gotejar de mágoa.
Na bandeja, os despojos,
Ainda tintos de vinho,
A cabeleira e os olhos
Acesos como círios.
Tantos anos depois
Não faz mesmo sentido
Mas guardo ainda o espelho
Onde espreito minha sorte,
Onde dia e noite espreito
A sombra que flutua
E se cola
Como máscara, em meu rosto,
Como chaga no coração,
Bem no peito onde o tempo
Enfiou sua adaga.
E danço como nunca mais
Dancei. O rei agora dorme,
Dourado, em seu sarcófago.
Mas ainda tenho os véus,
A bandeja e a espada.
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