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Nadar na piscina dos pequenos
2017
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Poemas
Golgona Anghel
Roménia
11820
1
7
Encontrámos as partes
Encontrámos as partes,
mas ainda não o conjunto.
Falta-nos esta última força.
Falta-nos a esperança
como uma espuma branca que nos proteja e nos una.
Procuramos esse sustento salutar:
conviver,
perseguidos por uma espécie de incontinência verbal.
Na juventude, começámos com uma boneca de corda,
a que demos tudo o que tínhamos.
O fracasso estava, no entanto, treinado
para receber-nos, com luvas gigantes,
como se fôssemos bolas de basebol.
Continuamos calados. À procura. Com fome.
Não podemos fazer mais.
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Quando sair daqui
Quando sair daqui,
arranco-te com os meus próprios dentes
as unhas dos pés, essas manias
e as chaves do carro,
sua ordinária, pensei, sua mentirosa, pensei,
sua puta, pensei,
mas pensei baixinho e com pouco entusiasmo:
era difícil sujar a minha mulher
sem rebaixar-me ainda mais.
Tens sorte, pensei.
Podia imaginar o teu futuro liso e bem esticado
como a pele de um leopardo
à entrada de uma loja de antiguidades.
Admito até provar o teu amargo sangue,
para lembrar-me que antes fui um escravo,
mas não consigo fazer de ti,
assim obesa e malcheirosa como andas,
o móbil de um crime passional.
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Vem, noite coisíssima e pindérica
Vem, noite coisíssima e pindérica!
Vem, noite de copos, noite de loucos,
estou só e sem inspiração.
Chamemos a lucidez e a sua escola de dactilografia
para ditar uns carmes.
Vem, Senhora, mulher sócia da compaixão,
vem pingar-me uma gota de Dostoiewhisky na goela.
Noite de Natal, noite de cristal,
noite dos Óscares, noite da Iguana,
noite dos museus,
apanha o primeiro táxi e vem.
Vem semear piolhos de ouro na juba deste boémio.
Vamos os dois corrigir o mundo
com moscatéis e valeriana.
Confia em mim.
Sou forte, sou vigoroso, Senhora!
O deboche sabe-me de cor.
O meu nome é Simão, o apelido Budoar.
Os meus olhos, duas alfaces.
Sou jovem, um bezerro, Madame!
Tenho por alimento mamilos de galáxias.
Por Deus, um computador.
Assim, sem roupa, pareço perigoso.
Mas se me vir de robe,
não passo de um criminoso meigo
que faz cócegas à sua presa
e sabe canções de embalar.
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O desenho era tão simples
O desenho era tão simples
que ninguém se deu ao trabalho de ler as instruções até ao fim.
Bastava seguir a intuição.
Abrir o bico e agarrar o primeiro anzol
que a necessidade atirava no escuro.
Sigam as luzes, diziam lá em cima.
Mas, cá em baixo, a rede era tão larga
que os grandes peixes conseguiam passar.
Questão de olhómetro,
asseguravam os mais experientes.
Seria então preciso
baixar o tom,
esperar deitado para poupar nas calorias,
abreviar os gestos,
desligar os motores,
reduzir o desperdício,
concentrar a fé
num só lugar:
julgar que o fumo dos cigarros
acaba sempre por confundir-se com as nuvens.
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Hoje, vieram buscar-me cedo
Hoje, vieram buscar-me cedo.
É a tal história, tiram-me do sono,
passam-me para a maca e
ninguém quer saber das minhas vontades.
Nem fui fazer chichi, nem me fizeram o buço.
Estou com o bordado da fronha estampado nas fuças
e, com este péssimo aspecto,
fazem-me desfilar pelos corredores cheios de gente
que acorda de madrugada
e se põe bonita para vir aqui tirar fotografias
a rins e pulmões.
Fora a vadiagem que só entra para aquecer os pés,
estou eu, feita bicho, amarrada a uma etiqueta,
como os cavalos na feira.
Por isso, puxo com os dois braços
uma fralda que encontro por perto
e enxugo o meu rosto pejado de medo,
porque tudo isto é mesmo uma merda,
mas depois melhora um pouco
quando me enchem de morfina
e me devolvem, à saída, o telemóvel.
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Perfeitamente domesticada
Perfeitamente domesticada,
aparentando todo um rebanho de boas intenções,
atacava pela calada.
Desta vez, foi em pleno palco,
à frente de toda a gente.
Unhas e peles, braços em volta.
O bico dos abutres
a rasgar o dia em dois.
Ninguém gritou,
mas houve sangue.
Não me lembro se fui César,
se fui Bruto.
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Sacrifiquei sem nenhum remorso
Sacrifiquei sem nenhum remorso
os talheres de prata, o açúcar e os licores franceses.
Contudo, não precisei de empurrar nenhuma velha
para avançar na fila.
Quando apanhei o caminho certo,
a sorte abriu, sem hesitar, as pernas.
A partir daí foi fácil:
hoje, um ovo, amanhã, uma vaca.
Tudo isso, no pantanal do Oeste,
bem longe das grandes metrópoles
e do brilho das montras,
mas onde aprendi a cultivar a leveza
e a ouvir o canto do galo
que, por estes lados da madrugada,
tanto serve de despertador
como para a canja.
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Quando a paixão recuperar a vista
Quando a paixão recuperar a vista
o antigo caminho dos lobos,
a coruja e os seus monólogos,
partículas de sal,
ínfimos movimentos de sombras,
afastarão para sempre os nossos corpos.
Com ou sem licença para fazer obras,
o horizonte montará o seu palco de fim de contas.
Esta comédia de vésperas
que o cansaço tem mal encenado.
A vida será uma soma de mensagens erradas e
de músicas que não conseguimos ouvir até ao fim.
Lembrar-me-ás uma loja de souvenirs
com barcos engarrafados e colares de conchas.
Berloques e berlindes, lápis do México 86, porta-chaves da expo 98.
Enfim, demasiada poeira para tão curto caminho.
Entretanto, está sol e, olha,
parece que as cegonhas adiaram o voo para o sul.
Um pouco como eu, esquecem de ir embora.
As coisas solidificam para não mudarem de lugar.
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Querido Félix, a vida continua cruel
Querido Félix, a vida continua cruel,
mas igualmente necessária.
Alegra-me sobremaneira saber que estejas mais perto,
embora não menos difícil de imaginar.
Alegra-me e posso, até, dizer que me entusiasma
a esperança de que haja ainda atalhos que funcionam,
de modo que brindo em honra dos teus exílios
enquanto me curo com aguardente as feridas dos pés.
Há regressos que nos tiram pedaços do corpo,
em troca de um lugar para sentar-nos, embora
os dissidentes não se sentem nunca,
por mais baratos que nos vendam os sofás.
Não se sentam nem se cansam.
Gastamo-nos apenas,
como meros bocados de sabão
onde os nossos pais cravaram
as suas lâminas de barbear.
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Floribunda, minha querida
Floribunda, minha querida, vim desligar-te das máquinas.
Tens aqui duas bolachas e um sumo para o caminho.
Não havia de pêra como tu querias,
se bem que lá em cima (ou em baixo, conforme)
pouco importa.
Ouvi dizer que sobre a alma tens um calhau e
sobre o calhau um balde de tinta
que te pinta de pobre e te julga inútil.
Sempre foste um mau negócio.
Permaneces igual.
Estragaste o autoclismo cá do sítio
como estragavas os meus dias de folga.
Mas nada te toca.
Moldas em vão estas cruzes de espera.
Na apatia dos crepúsculos,
o Inverno inventa a tua última palavra.
Escuta.
É por ti que os grilos cantam
e a noite se prepara para regressar
no interior das gavetas.
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Antigamente os bisontes eram gente
Antigamente os bisontes eram gente
e namoravam as raparigas
mais bonitas da aldeia.
Os judeus tinham cauda e
os homens menstruavam duas vezes por mês.
Ninguém se queixava de nada.
Tudo tinha o seu lugar.
Líamos Tolstoi num Skoda,
Hölderlin num Trabant descapotável,
Joyce num Aston Martin,
Camões num UMM.
As grandes emoções
vinham de palavras longas:
australopitecos, jerusalamaleques,
extremaunçãoparaumapernadepau, etc.
Isto explica tanta coisa,
mas não vem nos livros de história.
A história faz apenas ecoar o passado.
Como um búzio.
O passado é o lugar onde os nossos ex
se juntam aos mamutes, à Céline Dion
e ao Windows XP.
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Devia escrever coisas mais divertidas
Devia escrever coisas mais divertidas,
entreter as massas.
Evitar, ao menos, cenas tristes,
mudar de roupa uma vez por mês.
Podia, decerto, afastar-me, sair do corpo,
dos seus humores.
Entrar na biopolítica usar os seus métodos.
Engravidar uma ideia alegre.
Enfim, nada contra os suicidas de carreira
e os demais performers do além.
Não é que não me apeteça largar-te
num eléctrico sem travões.
Deixar-te num país estrangeiro,
sem dinheiro e sem memória.
Não se iludam, ainda sei baixar as calças.
Fazer o truque.
Mas se o meu psiquiatra ler este livro,
vai achar que o tratamento
já não funciona.
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Somos daqueles que limpam os ouvidos
Somos daqueles que limpam os ouvidos
com a chave do Mercedes
e fazem estalar os dedos,
às escuras, nas salas de cinema;
filhos das vindimas e da apanha da azeitona,
homens, quando a noite usa decote.
Somos, hoje, a melhor geração
de cansados profissionais, os mais vendidos autores do acaso.
Treinamos predadores de moscas,
limpamos passados, fígados gordos, rins cheios de diamantes.
Temos as mãos trémulas, é certo,
mas arrumamos,
seguros,
o dominó, no pátio do Alzheimer,
pois é a nós que procura a seta.
De maneira que não adianta muito termos pressa:
um dia, alguém chamará por nós
e nos marcará no peito
o número da sorte
com o ferro quente
com que se conta,
na Primavera,
o gado.
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Vivemos submersos num plasma nutritivo
Vivemos submersos num plasma nutritivo
que nos garante um crescimento rápido e de excepção
com talentos singulares,
e sonhos que não precisam de ser actualizados -
basta apenas afinar a sua desordem estética.
Temos aceso a uma vida desprovida de acasos,
onde colónias de bactérias sangram invejosas,
esmagadas a milhas pela radiação do nosso olhar.
Dotados de um sistema automático
de identificação e resolução de erros,
dirigimos à distância um código sentimental simplificado.
Acumulamos dados, analisamos sinais.
Não conseguimos conceber um desastre maior
que a falta de bateria no comando.
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