Somos daqueles que limpam os ouvidos

Somos daqueles que limpam os ouvidos
com a chave do Mercedes
e fazem estalar os dedos,
às escuras, nas salas de cinema;
filhos das vindimas e da apanha da azeitona,
homens, quando a noite usa decote. 
Somos, hoje, a melhor geração
de cansados profissionais, os mais vendidos autores do acaso.
Treinamos predadores de moscas, 
limpamos passados, fígados gordos, rins cheios de diamantes. 
Temos as mãos trémulas, é certo, 
mas arrumamos, 
seguros, 
o dominó, no pátio do Alzheimer, 
pois é a nós que procura a seta. 
De maneira que não adianta muito termos pressa:
um dia, alguém chamará por nós
e nos marcará no peito
o número da sorte
com o ferro quente
com que se conta, 
na Primavera, 
o gado.
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