Paulo Mendes Campos

Paulo Mendes Campos foi um escritor e jornalista brasileiro.

1922-02-28 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
1991-07-01 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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Alguns Poemas

Poema Didático

Não vou sofrer mais sobre as armações metálicas do mundo
Como o fiz outrora, quando ainda me perturbava a rosa.
Minhas rugas são prantos da véspera, caminhos esquecidos,
Minha imaginação apodreceu sobre os lodos do Orco.
No alto, à vista de todos, onde sem equilíbrio precipitei-me,
Clown de meus próprios fantasmas, sonhei-me,
Morto do meu próprio pensamento, destruí-me,
Pausa repentina, vocação de mentira, dispersei-me,
Quem sofreria agora sobre as armações metálicas do mundo,
Como o fiz outrora, espreitando a grande cruz sombria
Que se deita sobre a cidade, olhando a ferrovia, a fábrica,
E do outro lado da tarde o mundo enigmático dos quintais.
Quem, como eu outrora, andaria cheio de uma vontade infeliz,
Vazio de naturalidade, entre as ruas poentas do subúrbio
E montes cujas vertentes descem infalíveis ao porto de mar ?

Meu instante agora é uma supressão de saudades. instante
Parado e opaco. Difícil se me vai tornando transpor este rio
Que me confundiu outrora. Já deixei de amar os desencontros.
Cansei-me de ser visão, agora sei que sou real em um mundo real.
Então, desprezando o outrora, impedi que a rosa me perturbasse.
E não olhei a ferrovia - mas o homem que sangrou na ferrovia -
E não olhei a fábrica - mas o homem que se consumiu na fábrica -
E não olhei mais a estrela - mas o rosto que refletiu o seu fulgor.
Quem agora estará absorto? Quem agora estará morto ?
O mundo, companheiro, decerto não é um desenho
De metafísicas magnificas (como imaginei outrora)
Mas um desencontro de frustrações em combate.
nele, como causa primeira, existe o corpo do homem
- cabeça, tronco, membros, aspirações e bem estar...

E só depois consolações, jogos e amarguras do espírito.
Não é um vago hálito de inefável ansiedade poética
Ou vaga advinhação de poderes ocultos, rosa
Que se sustentasse sem haste, imaginada, como o fiz outrora.
O mundo nasceu das necesidades. O caos, ou o Senhor,
Não filtraria no escuro um homem inconsequente,
Que apenas palpitasse no sopro da imaginação. O homem
É um gesto que se faz ou não se faz. Seu absurdo -
Se podemos admiti-lo - não se redime em injustiça.
Doou-nos a terra um fruto. Força é reparti-lo
Entre os filhos da terra. Força - aos que o herdaram -
É fazer esse gesto, disputar esse fruto. Outrora,
Quando ainda sofria sobre as armações metálicas do mundo,
Acuado como um cão metafísico, eu gania para a eternidade,
sem compreender que, pelo simples teorema do egoísmo,
A vida enganou a vida, o homem enganou o homem.
Por isso, agora, organizei meu sofrimento ao sofrimento
De todos: se multipliquei a minha dor,
Também multipliquei a minha esperança.

Paulo Mendes Campos (Belo Horizonte MG, 1922 - Rio de Janeiro RJ, 1991) ingressou nas faculdades de Direito, Odontologia e Veterinária, em Belo Horizonte, na década de 1940, mas não chegou a concluir nenhum dos cursos. Entre 1942 e 1944 foi diretor do suplemento da Folha de Minas e colaborador de O Diário e O Estado de Minas. Participou do I Congresso Brasileiro de Escritores, em 1945, ano em que passou a viver no Rio de Janeiro, a princípio como funcionário do Instituto Nacional do Livro. No período de 1946 a 1948 foi redator do Correio da Manhã, ao lado de Álvaro Lins, Graciliano Ramos e Mário Pedrosa. Publicou seu primeiro livro de poesia, A Palavra Escrita, em 1951. Nas décadas seguintes publicou vários livros de crônicas, entre os quais O Cego de Ipanema, O Colunista do Morro e O Amor Acaba: Crônicas Líricas e Existenciais. Em 1966 recebeu o prêmio Alphonsus de Guimaraens, concedido pelo Ministério de Educação e Cultura, pelos livros de poesia Testamento do Brasil e O Domingo Azul do Mar. É considerado um dos maiores cronistas brasileiros. Sua obra poética, vinculada à terceira geração do Modernismo, inclui ainda os livros Poemas (1979), Diário da Tarde (1981) e Trinca de Copas. Sobre seus poemas, o crítico Geraldo Pinto Rodrigues afirmou: "poesia toda ela (ou quase toda) feita de uma saudade pungentemente melancólica, ligada às mais legítimas e puras vertentes da lírica luso-brasileira, os versos de Paulo Mendes Campos revestem-se de um ingênuo encantamento e lhe dão a medida exata de sua alma e de seu modo de ser.".
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