José Saramago
José de Sousa Saramago foi um escritor, argumentista, teatrólogo, ensaísta, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português. Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998.
1922-11-16 Azinhaga, Golegã
2010-06-18 Tías, Espanha
224518
1
21
20
Todas as calamidades haviam caído já sobre a tribo ao ponto de se falar da morte com esperança
Um pouco mais e o suicídio colectivo seria votado e decidido
Assim pela infinita planície as vozes inseguras se iam aos poucos calando como se a próxima paragem fosse a última e o soubessem
Pelo meio da tarde as nuvens cobriram o céu e uma vagarosa chuva o chão de lama e os homens de maior desespero
Espetaram na terra as estacas que eram os pilares das suas habitações transportadas e sobre elas os panos que restavam dos tempos em que poucos aceitariam semelhante abrigo
Este era o miserável rebanho a vara a manada entregue aos pastos naturais às lombas pedregosas e hoje à frialdade esponjosa de uma chuva que raspava os ossos do crânio
Quase noite o homem e a mulher que se tinham escolhido para sempre afastaram-se na direcção de uma floresta que fechava o céu
Porque a miséria era extrema e a morte talvez viesse mais depressa se as vítimas se mostrassem a descoberto
Porém assim não aconteceu e debaixo das árvores a grande escuridão redobrou o medo mas não mais
Então abraçados o homem e a mulher sem uma palavra suplicaram
E a árvore a que se apoiavam transidos abriu-se por uma qualquer razão que não veio a saber-se nunca e recebeu-os dentro de si juntando a seiva e o sangue
Todas as aflições se acabaram naquele instante e a chuva escorria pelas folhas e pelos troncos como alimento até ao chão que as raízes lentamente trabalhavam
Assim a noite passou sobre esta paz que não conhecia pesadelos
Mas quando o sol nasceu ouviu-se do lugar onde a tribo ficara um enorme tumulto um estridor de gritos e asas e uivos de metal
E a mulher e o homem abraçados dentro da árvore souberam que os seus irmãos uma vez mais sofriam o assalto dos ocupantes e das feras
No ano de 2093 ainda se contará que cem anos antes foi vista uma árvore sair da floresta andando sobre as raízes e fazer dos seus ramos laços e lanças e dardos das folhas agudas
E também se dirá que depois para onde fosse a tribo ia a árvore caminhando sobre as raízes
E que debaixo dela se abrigavam à noite ou quando o sol queimava os outros homens e as outras mulheres que nos primeiros dias ainda recordaram os companheiros para sempre desaparecidos naquela noite em que a morte quase fora o destino certo da tribo
E tudo isto se dirá nos mais felizes tempos de 2093
Um pouco mais e o suicídio colectivo seria votado e decidido
Assim pela infinita planície as vozes inseguras se iam aos poucos calando como se a próxima paragem fosse a última e o soubessem
Pelo meio da tarde as nuvens cobriram o céu e uma vagarosa chuva o chão de lama e os homens de maior desespero
Espetaram na terra as estacas que eram os pilares das suas habitações transportadas e sobre elas os panos que restavam dos tempos em que poucos aceitariam semelhante abrigo
Este era o miserável rebanho a vara a manada entregue aos pastos naturais às lombas pedregosas e hoje à frialdade esponjosa de uma chuva que raspava os ossos do crânio
Quase noite o homem e a mulher que se tinham escolhido para sempre afastaram-se na direcção de uma floresta que fechava o céu
Porque a miséria era extrema e a morte talvez viesse mais depressa se as vítimas se mostrassem a descoberto
Porém assim não aconteceu e debaixo das árvores a grande escuridão redobrou o medo mas não mais
Então abraçados o homem e a mulher sem uma palavra suplicaram
E a árvore a que se apoiavam transidos abriu-se por uma qualquer razão que não veio a saber-se nunca e recebeu-os dentro de si juntando a seiva e o sangue
Todas as aflições se acabaram naquele instante e a chuva escorria pelas folhas e pelos troncos como alimento até ao chão que as raízes lentamente trabalhavam
Assim a noite passou sobre esta paz que não conhecia pesadelos
Mas quando o sol nasceu ouviu-se do lugar onde a tribo ficara um enorme tumulto um estridor de gritos e asas e uivos de metal
E a mulher e o homem abraçados dentro da árvore souberam que os seus irmãos uma vez mais sofriam o assalto dos ocupantes e das feras
No ano de 2093 ainda se contará que cem anos antes foi vista uma árvore sair da floresta andando sobre as raízes e fazer dos seus ramos laços e lanças e dardos das folhas agudas
E também se dirá que depois para onde fosse a tribo ia a árvore caminhando sobre as raízes
E que debaixo dela se abrigavam à noite ou quando o sol queimava os outros homens e as outras mulheres que nos primeiros dias ainda recordaram os companheiros para sempre desaparecidos naquela noite em que a morte quase fora o destino certo da tribo
E tudo isto se dirá nos mais felizes tempos de 2093
302
0
Mais como isto
Ver também