Alguns Poemas

Transmutação do Pó

Pode o pobre nobre pó recriar
o vazio dissimulado nas entranhas do significado
na aurora primaveril do novotempo.

O pó morre envelhecendo só,
no nó das esparralhadas histórias
e o poeta ardiloso
quer recriar a musíngua num febril gesto.

O antanho e o amanhecer falecem na espera
um minuto de perspectiva apenas mais um minuto
entre vozes que soaram bem claro opacas foram
em inexprimir o de uma só condição
sintaxe articulada em malicias da contradição
um detalhe de uma renascença
um detalhe de aliteração
não se deve exprimir e silenciar no antanho
um amanhecer claro, porém escuro
uma história oculta dentro de outra história
ecoando
no amarelecimento da memória.

Nas áreas esquecidas da memória, o pó é um Dó,
arquivado nas lembranças dos versos inversos da dor,
articulada conjugação do primeiro último verso
implantado nos isolados seres em dor e divagação
radioativas imagens cavalgadas de silêncio pleno
no eloqüente murmuro anunciado em tropel,
desencanto envolto no pó.

E o pó se fez homem se fez poeta
envolvido pelo silêncio de imagens
de tanto percorrer para fora deste universo
fundido antes de ser e antes de estar
solidão é longínqua
e o espectador
não percebe a eloqüência da complexidade
transferida num rápido olhar do objeto
na facilidade tão fácil a perda de profundidade
de um instante abjeto e fugas de subjetividade
do gesto de se fazer compreensível.

Do alto da pedra em mar alto
observar luzindo embarcação náutica
noite traz seus preceitos, seus medos,
neste negro caminho de águas claras
onipotência e fragilidade sussurrando versos vãos
último toque da linguarte
último toque do pode ser
último toque de proporcionar uma visão
último toque do penúltimo toque do tocador
e a vida foi vida em fibra
jaz um mar.

Elaborada palavra desfigurando-se em nada
um enlace foi formado de um grito em suspiro
endiabrada cantata só de vento lento
virgens imagens no arpoador foram pronunciadas
sopro de uma trombeta marinha
e o fundo funda-se no próprio fundo
irregular omivisão do tempo cru em movimento
e o homem se fez pó se fez poeta se fez Dó
era um início de um outro princípio
eis as gêneses consumidas em marinhas águas
um inevitável encontro louco
metamorfosear-se em pó para ser novo
e ressurgir cantando e ressurgir do fundo
deste oco que é o sopro da sobrevida de um cantador.

Nobre pó rima em Dó de uma sinfonia finda
ninfas do desejo em asas falhas sobrevoam
a recriar novas línguas,e a recriar ainda
último verso da criação
e o pó se fez presente que se fez ausente
transfigurar-se do desenlace febril
tudo não passara de um sonho senil
diante de um penhasco
agora ressuscitado dos pesadelos
adquire lento
perspectiva da observação.

O primeiro verbo do início foi um sopro
delirio interior de um Deus-Tudo
de barro,
este artefato de lodo fez o homem,
e com um novo sopro de novo o desfez seu ato
que do pó fênix redimiu todas as formas
num novo ato só.

Narcissus

O que somos afinal sobre o sol que a pino,
encerra o silêncio de nossas esperanças,
que encantados com o brilho lunar nos refaz.

O que somos afinal sobre a lua que cheia,
floresce nossos ensejos, e frutifica nossos mitos,
que desiludidos com o solar ofuscamento nos reluz.

Lúgrebe como é lúgrebe o canto que nasce
que jorra límpida nas outras fontes d’água,
silêncios que encerram nossa imagem
de um refletido mito surdo.

Irrigada voz que descanta o pássaro,
que com asas de brancas nuvens
se interroga sobre a matéria tempo,
fúnebre como o paladar do sino a obrar.

Olhos de prata, murmúrios de ouro,
interrogações que se abrumaram,
rudes questionamentos que não se esvam,.
acumulados e dissimulados
na consciência incerta.

Sol e Lua dentro da noite adentro do dia,
dúbia conversa entre astros que não ponderam
se circunferenciam numa rota imutável,
rotineira como o tempo irrefutável.

Despir, rubro significado altivo,
máscara que não tateia simulacro inteira,
Lívia pele, tenra mentira fluida n’água,
paixão que se encadeia, mas não queima,
límpido abismo simulado de realidade.

Entrecortadas vozes que se dissecam,
o vento, o que diz o vento ao vento
que ventila a própria sentença
de outros apagados tempos invernais?

Sim, a paixão é rubra lavra de vulcão,
espessa e fluida e sufocada nuvem,
que dilui a consciência e o logos.

Resistir na verde margem relva,
com o retrato entrecortado n’água,
tingido pelas toscas luzes do prisma,
para que o branco não seja preto,
para que o preto não seja branco,
simulada visão do natural tempo,
arquitetado.

O que somos, àquilo que nós fomos,
dentro de poucos instantes, iremos,
a questão inquestionável que aglutina,
súplice e suplicado que ateia,
ruge o instante dentro de um infinito.

Driblar uma consciência outra, gesto possível,
e a si mesmo, improvável ato que desfigura,
como a cera de uma face resplandecente,
que desfalece na contra luz do tempo.

Um eclipse é uma imagem de pena,
rápido encontro, infindável espera,
que se perde como amantes por acaso,
que desfalecem após o orgasmo.

Admira-se trágica cena de um enamorado,
que enluarado pela límpida água refletida,
soltos suspiros como se outra natureza,
sua máscara fosse esculpida e terminada.

Rogado por tal imagem quer ser altivo,
buscar dentro de si próprio outros gemidos,
que a faça entreter de seus alaridos,
dissimulado como está de si na margem.

Perdido, quer encontrar um pedido, só suspiro,
melodiar, uma canção suave, só grunhido,
entreter ao outro, e a si mesmo, só que entretido.

Desfazer-se de sua própria figura espectral,
sem tal companheira, voar altivo no azul céu,
pintando o que lhe resta da augusta miséria.

O suplicante exaurido de sua ébria consciência,
vê os reflexos na margem cobertos de rubro véu,
os raios de circunferência prata, ledo engano,
são frios como a noite invernal, que o vento retrata,
é tão só esta paixão que exaure e assusta
quem se observa refletido, a si mesmo perdido.

As brancas mãos, os braços abraçados que aguardam
a possibilidade de ali ainda haver um ninho doirado,
que agassa-lhe o pássaro de sua frígida tempestade,
antes que se finde numa escura nuvem do nada.

Altiva é sua boca, carnudos lábios marmóreos,
suspiros e gemidos é feito o martírio que dali, .
parte e retorna num outro segundo de infinita perda,
na paisagem onde um branco mancebo se retraí.

O corpo é branca estátua que não se move mais,
inerte como a mais dura esfinge indecifrável,
corrói o interior sobre o sol angustiante e a pino,
cabelos doirados que não mais doiram a enseada,
só a brisa lhe sussurra, o que antes lhe encantava,
triste é a sua matéria, ledo seu simulacro invólucro.

O que somos sobre uma margem de uma relva,
que nos desperta com a limpida água que flui,
é a ébria forma de uma bruma suplicada,
que se perfez, e se desfaz n’água de um lago.

Leitura: O Repente de Eric Ponty 2020 11 06 at 16 24 GMT 8
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