Fernanda de Castro

Fernanda de Castro

Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro, foi uma escritora portuguesa.

1900-12-08 Lisboa, Portugal
1994-12-19 Lisboa
13005
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Alguns Poemas

Poema da Maternidade

Pode lá ser! Não quero, não consinto!
Tudo em mim se revolta: a carne, o instinto,
A minha mocidade, o meu amor,
A minha vida em flor!

É mentira! É mentira!
Se o meu filho respira,
Se o meu corpo consente,
Covardemente,
A minhalma não quer!
Eu não quero ser mãe! Basta-me ser mulher!
Basta-me ser feliz!
E o meu instinto diz:
— "Acabou-se! Acabou-se! Agora renuncia:
Começa a tua noite: acabou-se o teu dia!
Tens vinte anos? Embora! A tua mocidade
Perdeu chama e calor, perdeu a própria idade.
Resigna-te. És mulher! Foi Deus que assim o quis.
Já foste flor: agora é só raiz." —
Não pode ser! É injusta a minha sorte!
Não quero dar vida a quem me traz a morte!
O meu destino há de ter outro brilho!
Vida, quero viver! E morro, morro...

Filho!
Pode lá ser, Jesus! Eu não mereço tanto!
Filho da minha dor, eu já não choro — canto!
Filho que Deus me deu! Por quê, Senhor,
Há só uma palavra: Amor, Amor, Amor?!
"Dai-me outra voz que nunca tenha dito
Coisas más, coisas vis... e que saiba a infinito...
Dai-me outro coração, mais puro, mais profundo,

Que o meu já se quebrou de encontro ao mundo...
Dai-me outro olhar que nunca tenha olhado,
Que não tenha presente nem passado...
Dai-me outras mãos, que as minhas já tocaram
A vida e a morte... o bem e o mal... e já pecaram...

Filho, por que seria? Ao vires para mim
Mudaste num jardim
Os espinhos da minha carne triste...
E como conseguiste
Dar uma cor de sol às horas mais sombrias?

Meu menino, dorme, dorme,
E deixa-me cantar
Para afastar
A vida, um papão enorme...
Meu menino, dorme, dorme...

Vamos agora brincar...
Que brinquedo, meu menino?
O mar, o céu, esta rua?
já te dei o meu destino,
Posso bem dar-te a Lua.

Toma um navio, um cavalo,
Toma agora o mar sem fundo...
Ainda achas pouco? Deixá-lo!
Se quiseres dou-te o mundo!
Mas por que não vens brincar?
Por que preferes chorar?
Jesus! Que tem o meu filho?
Que vida estranha no brilho
Do seu olhar?

Uma vida inquieta e obscura
Anda a queimar-lhe a frescura ...

Ainda hoje, meu filho, não sorriste
E o teu olhar é triste...
Cheiras a noite, a luto, a azebre ...

Senhor! O meu filho tem febre!
O seu hálito queima, o seu olhar escalda...
Ele que tinha um olhar de estrela ou de esmeralda
E um perfume de flor,
Agora tem na boca um amargo sabor
E cheira a noite, a luto, a azebre...

Senhor! O meu filho tem febre!
Tirai-me dos olhos toda a luz!
Livrai-me da blasfêmia... Deus! Jesus!
Pois se o meu filho morre, se agoniza,
Por que há flores no chão que ele não pisa?
Se num coval o hei de pôr, de rastros,
Por que estarão tão altos os astros?
Senhor, eu sou culpada. . . Eu sei o que é o pecado
Mas ele, meu Jesus, ainda não tem passado...
Para mim, não há mal que não aceite,
Mas ele, ainda tão perto do teu céu!
A sua vida era beber-me leite...
No olhar com que me olhava tinha um véu
De neblinas, de névoas de outras vidas...
As vezes, tinha as pálpebras descidas
E punha-se a chorar no meu regaço
Com saudades, talvez, do céu, do espaço...
O meu filho tem febre!
Por que andam a cantar pelos caminhos?
Por que há berços e ninhos?
Vida! O meu filho era belo,
O meu filho era forte!
Vida, que mãe és tu? Defende-me da morte!
Vida! Vida! Vida!

Louvado seja Deus! A morte foi-se embora!
Jà não tens febre agora!
Louvado seja Deus! O meu menino vive,
Este menino, o meu, que só eu tive!
E pude blasfemar!
E o meu menino chora, e eu posso já cantar!
E o meu menino canta e eu posso já chorar!
O meu menino vive e toda a vida canta,
Toda a terra é uma fresca e sonora garganta!
Que toda a gente o saiba e toda a terra o veja!
Louvado seja Deus!
Louvado seja!

Poeta, romancista, dramaturga e autora de livros infantis, Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros era casada com o escritor e jornalista António Ferro.

Na História da Poesia Portuguesa do Século Vinte - Acompanhada de uma Antologia (Lisboa, 1959) é referida por João Gaspar Simões como dando-se «francamente à influência de Cesário Verde» e a «visões naturalistas da paisagem lisboeta e notas de sensibilidade de propensão introspectiva», ao mesmo tempo que «a alegria de viver dá aos seus versos mais alacridade que alma propriamente dita».

Um dos seus sonetos foi musicado pela Condessa de Proença-a-Velha, e outros poemas por Frederico de Freitas da Cruz e Sousa, constando alguns da banda sonora do filme As Pupilas do Senhor Reitor. Em 1969, ao perfazer meio século sobre a publicação do seu primeiro volume de poemas, foi-lhe atribuído o Prémio Nacional de Poesia.

Não se tendo propriamente notabilizado como romancista, deve no entanto ser lembrada a atribuição do Prémio Ricardo Malheiros a Maria da Lua: História de uma Casa. Mas é sobretudo no campo da literatura infantil que se afirma a sua actividade de ficcionista, sendo incluída por Natércia Rocha na Breve História da Literatura para Crianças em Portugal (Lisboa, 1984). As Aventuras de Mariazinha, que marcariam uma geração, são por ela própria designadas como «romance para meninos», ao passo que O Tesouro da Casa Amarela entra na classificação de teatro infantil.

No entanto, não só no âmbito da literatura infantil Fernanda de Castro se dedica ao teatro, estando mencionada nomeadamente no Dicionário do Teatro Português (dir. Luiz Francisco Rebello) e na História do Teatro Nacional de D. Maria I, de Matos Sequeira. Náufragos recebeu, em 1920, o Prémio do Teatro Nacional; e A Pedra no Lago foi nos anos 40 objecto de tradução romena e representação no Teatro Nacional de Bucareste.

Devem finalmente destacar-se os seus trabalhos de tradução literária, em particular as Cartas a um Poeta, de Rainer Maria Rilke, o Diário de Katherine Mansfield, Uma Verdade para Cada Um, de Pirandello, e O Novo Inquilino, de Ionesco; e a publicação, aos oitenta e cinco anos de idade, de um volume autobiográfico.
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