José Bonifácio de Andrada e Silva

José Bonifácio de Andrada e Silva

José Bonifácio de Andrada e Silva foi um naturalista, estadista e poeta brasileiro. É conhecido pelo epíteto de "Patriarca da Independência" por ter sido uma pessoa decisiva para a Independência do Brasil.

1763-06-13 Santos, São Paulo, Brasil
1838-04-06 Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
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Alguns Poemas

Ausência

Em Paris, no ano de 1790.

Pode o Fado cruel com mão ferrenha,
Eulina amada, meu encanto e vida,
Abafar este peito e sufocar-me!
Que pretende o Destino? em vão presume
Rasgar do meu o coração de Eulina,
Pois fazem sós um coração inteiro!
alma impressa,
Tu desafias, tu te ris do Fado.
Embora contra nós ausência fera,
Solitárias campinas estendidas,
Serras alpinas, áridos desertos,
Largos campos da cérula Amphitrite
Dois corpos enlaçados separando,
Conspirem-se até mesmo os Céus Tiranos.
Sim, os Céus! Ah! parece que nem sempre
Neles mora a bondade! Escuro Fado
Os homens bandeando, como o vento
Os grãos de areia sobre a praia infinda
Dos míseros mortais brinca e os males
Se tudo pode, isto não pode o Fado!
Sim, adorada, angelical Eulina.
Eterna viverás a esta alma unida,
Eterna! pois as almas nunca morrem.
Quando os corpos não possam atraídos
Ligarem-se em recíprocos abraços,
(Que prazer, minha amada! O Deus Supremo,
Quando fez com a voz grávido o Nada,
Maior não teve) podem nossas almas,
A despeito de mil milhões de males,
Da mesma morte. E contra nós que vale?
Do sangrento punhal, que o Fado vibre,
Quebrar a ponta; podem ver os Mundos
Errar sem ordem pelo espaço imenso;
Toda a Matéria reduzir-se em nada,
E podem ainda nossas almas juntas,
Em amores nadar de eterno gozo!


Publicado no livro Poesias Avulsas de Américo Elísio (1825).

In: BONIFÁCIO, José. Poesias. Edição fac-similiar da principe, de 1825, extremamente rara; com as poesias ajuntadas na edição de 1861, muito rara; com uma contribuição inédita. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1942. p.63-64. (Coleção Afrânio Peixoto

Ode aos Baianos

Altiva musa, ó tu que nunca incenso
Queimaste em nobre altar ao despotismo;
Nem insanos encômios proferiste
De cruéis demagogos;

Ambição de poder, orgulho e fausto
Que os servis amam tanto, nunca, ó musa,
Acenderam teu estro — a só virtude
Soube inspirar louvores.

Na abóbada do templo da memória
Nunca comprados cantos retumbaram:
Ali! vem, ó musa, vem: na lira doiro
Não cantarei horrores.

Arbitrária fortuna! desprezível
Mais quessas almas vis, que a ti se humilham,
Prosterne-se a teus pés o Brasil todo;
Eu, nem curvo o joelho.

Beijem o pé que esmaga, a mão que açoita
Escravos nados, sem saber, sem brio;
Que o bárbaro Tapuia, deslumbrado,
O deus do mal adora.

Não — reduzir-me a pó, roubar-me tudo,
Porém nunca aviltar-me pode o fado;
Quem a morte não teme, nada teme
Eu nisto só confio.

Inchado do poder, de orgulho e sanha,
Treme o vizir, se o grão-senhor carrega,
Porque mal digeriu, sobrolho iroso,
Ou mal dormiu a sesta.

Embora nos degraus do excelso trono
Rasteje a lesma para ver se abate
A virtude que odeia — a mim me alenta
Do que valho a certeza.

E vós também, BAIANOS, desprezastes
Ameaças, carinhos — desfizestes
As cabalas, que pérfidos urdiram
Inda no meu desterro.

Duas vezes, BAIANOS, me escolhestes
Para a voz levantar a pró da pátria
Na assembléia geral; mas duas vezes
Foram baldados votos.

Porém enquanto me animar o peito
Este sopro de vida, que inda dura,
O nome da BAHIA, agradecido,
Repetirei com júbilo.

Amei a liberdade, e a independência
Da doce cara pátria, a quem o Luso
Oprimia sem dó, com riso e mofa —
Eis o meu crime todo.

Cingida a fronte de sangüentos loiros,
Horror jamais inspirará meu nome;
Nunca a viúva há de pedir-me esposo,
Nem seu pai a criança.

Nunca aspirei a flagelar humanos —
Meu nome acabe, para sempre acabe,
Se para o libertar do eterno olvido
Forem precisos crimes.

Morrerei no desterro em terra estranha,
Que no Brasil só vis escravos medram —
Para mim o Brasil não é mais pátria,
Pois faltou a justiça.

Vales e serras, altas matas, rios,
Nunca mais vos verei — sonhei outrora
Poderia entre vós morrer contente;
Mas não — monstros o vedam.

Não verei mais a viração suave
Parar o aéreo vôo, e de mil flores
Roubar aromas, e brincar travessa
Co trêmulo raminho.

Oh! país sem igual, país mimoso!
Se habitassem em ti sabedoria,
Justiça, altivo brio, que enobrecem
Dos homens a existência;

De estranha emolução aceso o peito,
Lá me ia formando a fantasia
Projetos vil para vencer vil ócio,
Para criar prodígios!

Jardins, vergéis, umbrosas alamedas,
Frescas grutas então, piscosos lagos,
E pingues campos, sempre verdes prados
Um novo Éden fariam.

Doces visões! fugi! — ferinas almas
Querem que em França um desterrado morra:
Já vejo o gênio da certeira morte
Ir afiando a foice.

Galicana donzela, lacrimosa,
Trajando roupas lutuosas longas,
De meu pobre sepulcro a tosca loisa
Só cobrirá de flores.

Que o Brasil inclemente (ingrato ou fraco)
As minhas cinzas um buraco nega:
Talvez tempo virá que inda pranteie
Por mim com dor pungente.

Exulta, velha Europa: o novo Império,
Obra-prima do Céu! por fado ímpio
Não será mais o teu rival ativo
Em comércio e marinha.

Aquele, que gigante inda no berço
Se mostrava às nações, no berço mesmo
É já cadáver de cruéis harpias,
De malfazejas fúrias.

Como, ó Deus! que portento! a Urânia Vênus
Ante mim se apresenta? Riso meigo
Banha-me a linda boca, que escurece
Fino coral nas cores.

"Eu consultei os fados, que não incutem
(Assim me fala piedosa a deusa):
"Das trevas surgirá sereno dia
"Para ti, para a pátria.

"O constante varão, que ama a virtude,
"Cos berros da borrasca não se assusta,
"Nem como folha de álamo rejeite
"Treme à face dos males.

"Escapaste a cachopos mil ocultos,
"Em que há de naufragar como até agora,
"Tanto áulico perverso — em França, amigo,
"Foi teu desterro um porto.

"Os teus BAIANOS, nobres e briosos,
"Gratos serão a quem lhes deu socorro
"Contra o bárbaro Luso, e a liberdade
"Meteu no solo escravo.

"Há de enfim essa gente generosa
"As trevas dissipar, salvar o Império;
"Por eles liberdade paz, justiça
"Serão nervos do Estado.

"Qual a palmeira que domina ufana
"Os altos topos da floresta espessa:
"Tal bem presto há de ser no mundo novo
"O Brasil bem-fadado.

"Em vão de paixões vis cruzados ramos
"Tentarão impedir do sol os raios —
"A luz vai penetrando a copa opaca;
"O chão brotará flores."

Calou-se então — voou. E as soltas tranças
Em torno espalham mil sabeus perfumes,
E os zéfiros as asas adejando
Vazam dos ares rosas.

José Bonifácio de Andrada e Silva
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