Em criança tirei um pássaro de dentro de uma pequena gaiola. O pássaro não voou. Ficou ali andando aos círculos, aos círculos, aterrorizado com a largueza do mundo e a responsabilidade enorme de ter de sobreviver por si. Quando me libertaram eu senti-me assim. Vagueava pelas ruas sem rumo certo. Também tinha dificuldade em reconhecer as coisas e as pessoas. Aquela cidade já não me pertencia ao meu organismo, era uma prótese.
*Uma vez levaram-me a uma festa. Estranhei as roupas, as calças com pregas e sem vinco, justas no calcanhar. Os rapazes tinham o cabelo curto e as pastilhas aparadas rente às de uma estupidez sólida, franca e fundamental, que contagiava os outros. Eu não sabia dançar, não conhecia as músicas e nem sequer os músicos. As pessoas olhavam-me de lado –era o que eu julgava, possivelmente nem sequer reparavam em mim –e evitavam conversar sobre a situação política. Mesmo os nossos amigos companheiros estavam mudados. Um disse-me: