PARTE I: O CHEIRO DA ALGEMA
Capítulo 1: O Início e a Terra Vermelha
Há quem diga que a única certeza é a morte, e o que mais intriga é que ninguém volta para
contar. Em um lugar chamado Vereja, a vida de Ana Tereza se resumia ao cheiro de terra
molhada e mato verde que o vento fresco carregava. Aos dezoito anos, essa fragrância, outrora
um aconchego, havia se tornado o aroma de sua prisão. Ana vivia com sua mãe, Helena, e seu
pai, Helício, além de seu irmão Gabriel.
Enquanto ajudava a mãe a lavar a roupa no riacho, Ana sentia seus olhos seguirem o voo livre
de um pássaro que desaparecia além das montanhas. Um desejo, um fermento de insatisfação,
borbulhava em seu peito: o desejo de asfalto, de luzes, de um futuro que não fosse ditado pela
enxada.
Helena, de rosto cansado, leu seus pensamentos sem precisar de palavras.
— Veja lá o sonho dela, voando por aí — comentou a mãe, sem erguer a cabeça.
— Não estou sonhando, mãe. Estou só... olhando — respondeu Ana, sabendo que a mãe
compreendia a verdade.
Aproveitando a ausência do pai, ela lançou a isca de sua mentira:
— Mãe, a prima Célia me mandou uma carta. Ela diz que tem trabalho bom numa loja de
tecidos na capital. Ela me convidou para passar uma temporada lá.
Helena, apesar de apreensiva, via nos olhos da filha a mesma chama de liberdade que ela
própria havia tido na juventude. Contudo, Helício, ao saber da proposta, bateu o punho na
mesa de madeira.
— Cidade é lugar de perdição, Ana Tereza! Lugar de vadiagem e de pecado! Mulher direita fica
é no lar! — rugiu, irredutível.