Morro da Onça.
Esta era a visão que se tinha da janela da sala e do quarto onde eu dormia na Fazenda da Mata. Passei boa parte de minha infância observando esta paisagem. Com certeza os melhores dias da minha vida.
Ao fundo imponente aparece o Morro da Onça, nome este devido ser muito comum a freqüência de onças pintadas e jaguatiricas por lá. Em minha infância cheguei a cruzar com algumas Jaguatiricas, mas onças pintadas só em estórias contadas pelo meu avô e pelos camaradas da fazenda. De vez e outra ouvia se dizer que alguma cabeça de gado havia sido atacada por uma onça pintada e o temor corria pela redondeza.
Esta foto foi tirada na década de setenta, mas posso garantir que antes dos anos sessenta o cenário era muito mais belo. Onde se vê as plantações outrora era ainda mata virgem, os cafezais se estendiam mais a direita. A mata original era linda e embelezava a paisagem e favorecia a uma rica fauna.
Mas atenho-me agora a falar mais precisamente do querido e saudoso Morro da Onça. Com freqüência costumava passar a cavalo numa trilha que cortava sua encosta esquerda ou de Jipe com meu tio ou meu avô. Era o caminho que levava à Fazenda do tio Orosimbo que ficava a uns 6 quilômetros da fazenda do vovô. Costumávamos revezar semana sim semana não íamos passar o domingo lá e as vezes acompanhava meu avô em suas idas a negócio com o tio Orosimbo.
Ao passarmos ao lado do Morro costumava ficar olhando para o seu topo e almejando o dia que eu pudesse subir até lá e poder observar os quatro pontos cardeais. Sabia que de lá poderia ter uma bela visão ao Sul das bandas do Rio Grande, do Porto dos Mendes e em destaque se via o Morro de Ponta, local em que meu avô morou quando mamãe era criança. Eu gostava de ir lá com meus avós. Era um lugar pitoresco. Do lado norte, bem distante se via no horizonte o delinear da cidade de Campo Belo esbranquiçada mesclando-se com o céu azul salpicado de brancas nuvens. Ao oeste se avistava a Fazenda da mata e ao Leste a Fazenda do vovô avistando-se a sede toda imponente ao pé do Morro dos Maias ou dos Pimentas.
Enquanto eu vivia meus primeiros anos de vida, minha primeira infância, não havia outro meio senão contemplar diariamente a beleza do Morro da Onça e sonhar com o dia que eu pudesse aventurar-me pelas suas matas e atingir a pedreira que cobria seu cume.
O tempo naquela época parecia não passar, demorava-se muito para chegar o final de semana, as festas de fim de ano, os aniversários. Eram dias intermináveis, parecia que o relógio era bem preguiçoso. Ao contrário de hoje.
Só sei que tudo acabou passando e quando percebi já estava morando em São Paulo e não via a hora de chegar as férias de meio do ano e as de final de ano para lá na Fazenda ir matar a saudade.
Nos primeiros anos que se sucederam, depois de estar morando em São Paulo, geralmente combinava com os meus primos para irmos juntos. Íamos eu, minha irmã Bernardete, as vezes o Pascoal também e lá nos reuníamos com a Raquel, a Juanita, a Jane, a Aríete, o Dalmo William e a Denise e deixávamos vovô bem nervoso com nossas aventuras. Os outros primos, Cida, o Antonio, o Rogelio geralmente não participava de nosso grupo lá na fazenda. Poucas vezes se reuniram a nós a não ser quando íamos todos para a cidade.
Na fazenda organizávamos os dias todos com muita aventura, escaladas de morro, nadar no açude (uma piscina natural adaptada num buraco de onde se retirava terra para fazer tijolos). E lógico começamos a planejar e executar nossas aventuras no Morro da Onça. A primeira vez que escalamos o Morro da Onça, levamos uma bandeira branca feita com tecido que pegamos lá da vovó, acho que um velho lençol. Ficamos orgulhosos em deixá-la tremulando lá no topo de uma árvore.
Levamos frutas e lanches para passar um bom tempo lá em cima, o dia todo. A subida fui um tanto cansativa, pois tivemos que ir a frente das meninas, eu, Pascoal e Dalmo William abrindo trilha e ajudando-as a passar pelas pedras que haviam no caminho. A encosta era toda ladeada de grandes pedras e vegetação rasteira sob as árvores. Haviam nos alertado sobre o perigo das Cascavéis que eram muito comuns naquele morro. Por isso a nossa primeira escalada foi de muito suspense e certo medo. Felizmente nem mesmo encontramos com nenhum tipo de réptil para nossa sorte e tranqüilidade.
Ao chegar ao topo, como imaginávamos, havia uma grande pedra formando uma laje, em certo declive claro, mas própria para organizar um belo piquenique vislumbrando um belo cenário. O dia estava quente, era pleno verão, mas a brisa que soprava lá em cima ajudava a refrescar um pouco o calor que sentíamos. A água que levamos estava no fim, o que valeu foram as laranjas e mexericas que levamos conosco.
Pudemos observar e saborear aquele cenário maravilhoso. Viam-se as estradas, os trilhos que cortavam os campos verdes, as casa dos camaradas, as fazendas ao longe se destacavam das casas dos camaradas que pareciam todas minúsculas. Os trilhos formados pelo gado que contornavam o vale desenhavam linhas sinuosas que serpenteavam todo o morro lá em baixo levando o gado até a grota onde iam matar a sua sede.
No topo do morro mal podíamos ouvir algum ruído daquelas casinhas lá em baixo na colina, apenas o barulho do vento e o canto dos pássaros.
Bom seria ter uma casa construída lá no topo. Como seria bonito ver o nascer e o por do sol de camarote todos os dias. Observar qualquer pessoa, animal, ou veículo que se aproximasse vindo de algum ponto. Lá de cima podia se ter uma visão privilegiada dos quatro quantos, que maravilha. Mas o sol se adiantava e começava a dar sinal de fim de dia. O pessoal lá na fazenda devia estar apreensivo conosco, tínhamos que apressar nossa descida. Por isso levantamos, com pesar e começamos a descida, mas já planejando outro retorno ainda naquelas férias.
A volta foi tranqüila, ainda deu para parar no pé do morro e apanhar algumas mangas deliciosas e ir saboreando-as enquanto caminhávamos. Chegando a fazenda estávamos todos felizes a contar a nossa façanha e a descrever a beleza que se vê lá de cima para mamãe e a vovó que ouviam atentamente e admiradas. A hora do jantar se aproximava e deixamos as meninas irem para o banho primeiro ficando nós os homens para o final.
Outras escaladas foram planejadas e executadas naquelas férias e em outras. Sempre foi com a mesma alegria e aventura, mas, a que mais marcou foi a primeira vez que lá estivemos. Esta ficou na memória de todos nós e ainda posso sentir aquele vento, e parece que ainda estou vendo toda aquela paisagem a minha frente.
Tudo parece ter mudado, a Fazenda da Mata onde vivi meus melhores dias da infância não é mais como era, a Fazenda do tio Orosimbo, também acho que não mais existe, mas o Morro da Onça, este sim, está lá do mesmo jeito imponente observando tudo e a todos a seu redor. Apenas sofreu com a derrubada da mata ao seu pé, foi o que pude observar em minha última vista dele.
Ah que saudade sinto de minha terra natal... saudade do Morro da Onça de minha infância!