Carol Ortiz

Carol Ortiz

A minha intensidade vomita existências...

18 setembro Campinas, SP
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DÉBORA

          -Débora, não mexa nisso!
          Débora se virou para a voz e, com seus passos curtos, continuou explorando o jardim.
          -Débora, tire isso da boca!
         Que nojo! Ela sentiu o goto ruim daquele pedaço de tijole e cuspiu a terra longe. Curiosa, continuou andando.
          -Débora, cuidado! Vai cair se continuar assim.
          E de fato levou um tombo. Não deveria ter corrido. Ainda bem, só esfolou o joelho.
          -Débora, pare de chorar! Não foi nada. Logo sara.
           Seu choro era inútil. Não era o suficiente para passar a dor. Parou de chorar.
           -Enxugue essas lágrimas. Que coisa feia!
           Ela se levantou. Estava com medo de parecer feia.
           -Débora, o que você está fazendo?
            Dessa vez estava quieta, brincando com uma formiga.
            -Tire o dedo daí! Tem bichinhos que podem te machucar.
            Com susto, parou de tentar colocar a mão no formigueiro.
             -Venha, Débora, vamos entrar para tomar banho. Hoje é seu aniversário.
         O que era aniversário mesmo? Já tinha ouvido essa palavra mas não conseguia lembrar exatamente.
             -Cuidado, não espirre muita água. Está molhando todo o banheiro.
             Como era gostoso brincar na hora do banho!
              -Tire o sabonete da boca, isso não é para comer.
               Argh, que horrível! Era amargo. Jogou de volta à água.
               -Agora vou lavar seu cabelo. Feche os olhinhos para não entrar sabão.
               Que choradeira! Seus olhos queimavam.
                -Pronto, já passou.
                Ela estava impecável. Cheirosa, com roupas novas e bem penteada. Alguém bateu à porta:
                -Rosa, pode trazer a Débora que já arrumamos a mesa, os balões e os convidados.
                Fecharam a porta e deixaram as duas sozinhas.
                -Vamos lá, meu amor. A tia Rossa vai te levar para cantar parabéns.
            Então, um nó na garganta a sufocou. Olhou em volta. Todas aquelas camas alinhadas, aqueles desenhos pendurados na parede lhe traziam lembranças de quando ali chegou. Antes, era apenas mais uma enfermeira, mas naquele lugar aprendeu a ser humana, a rir e chorar com cada uma daquelas pessoas especiais, que para muitos não passavam de deficientes mentais. Para Rosa, eles eram sua família! Enxugou as lágrimas e levou débora até a cozinha, onde todos os enfermeiros, médicos, internos e convidados a aguardavam.
                -Parabéns pra você...
                Débora pediu bolo e alguém se aproximou:
                -Rosa, quanto tempo Débora está aqui?
                -Desde que nasceu.
                -Dezesseis anos?! 
                -É, dezesseis anos... - e calou-se com um pedaço de doce.


ANO: 1999
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