Luís Delfino
Luís Delfino dos Santos foi um médico, político e poeta brasileiro. É considerado o segundo poeta mais importante de Santa Catarina, superado apenas por Cruz e Sousa.
1834-08-25 Desterro [Florianópolis] SC
1910-01-31 Rio de Janeiro, Brasil
19477
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O Cristo e a Adúltera
(Mármore de Bernardelli)
VII
Tenho em frente de mim um deus: que importa o resto?
Vai fazer um milagre... Olhai, vede o seu gesto.
Uma pobre mulher corrida e quase nua,
Deita-te aos pés, Jesus, o clarão de uma lua.
Ela acolheu-se a ti e nela a formosura!
Que abismos nessa carne, e que luz nessa alvura!
Canta invisível nela um sol; ouço-lhe o trilo.
Não é Vênus de Cos, não é Vênus de Milo:
É vênus doutro mar, é deusa doutra espuma.
Bela, não se parece enfim com deusa alguma:
É o belo-ideal fundido de outra idéia:
Prometeu desta vez roubando a luz divina
Coalhou-a, como pode e ninguém imagina,
E fez dela o ideal da mulher da Judéia...
VIII
Olha a pobre mulher: esta mulher amante
Esta manhã ainda, ao aço rutilante,
Reviu seu rosto belo, enrolou seus cabelos,
Perfumou-os de mirra, untou-os de mamono,
Cacheou-os na testa em múltiplos novelos,
Enquanto lhe dormia ainda um pouco o sono
Entre os cílios; enquanto em sua face linda
Com um longo beijo o sol não a acordara ainda.
Mas se à festa do leão não resiste a leoa,
Caiu esta, que é bela, e além de tudo é boa.
Deus, que os sóis pelo céu andar em luta veda,
Deu-lhe a beleza — o abismo, e deu-lhe o amor — a queda.
Que dorso! Aquele branco e luminoso dorso!...
Aquele seio, aonde as pomas rutilantes
Vão nas asas fugir, sem fazer um esforço,
Vão fugir, adejar por esses céus distantes,
Ai! tão perto do céu! ai! tão fora do ninho!
Vejo-as quase a saltar do transparente linho:
Quero-os em pé, a luz, quero ver tudo isto...
O teu vasto linhol 'stá-m'a escondendo, ó Cristo.
O irradiar do torso esplêndido da adúltera
Vale o linhol de um deus, vale a inconsútil púrpura.
Caiu? — Quero alteada essa cabeça fina,
Ver um colo que ondula e como flor se inclina
Na haste flexível: sim, quero ver como rola
Na pequenina orelha a egipciana argola;
E erguida e a mover-se, a andar, a rir, sim! vê-la:
Ver se a estrela é que a vence, ou se ela vence a estrela.
Mas enquanto ela jaz a tua sombra santa,
Enquanto esta mulher gentil não se levanta,
E espera em tua força, ó Jesus, certo abrigo...
Ficarei junto dela, ó mármore, e contigo.
Imagem - 02150002
Publicado no livro O Cristo e a Adúltera (1941).
In: DELFINO, Luiz. Poemas escolhidos. Sel. e introd. Nereu Corrêa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. p.133-135
NOTA: Poema composto de 19 parte
VII
Tenho em frente de mim um deus: que importa o resto?
Vai fazer um milagre... Olhai, vede o seu gesto.
Uma pobre mulher corrida e quase nua,
Deita-te aos pés, Jesus, o clarão de uma lua.
Ela acolheu-se a ti e nela a formosura!
Que abismos nessa carne, e que luz nessa alvura!
Canta invisível nela um sol; ouço-lhe o trilo.
Não é Vênus de Cos, não é Vênus de Milo:
É vênus doutro mar, é deusa doutra espuma.
Bela, não se parece enfim com deusa alguma:
É o belo-ideal fundido de outra idéia:
Prometeu desta vez roubando a luz divina
Coalhou-a, como pode e ninguém imagina,
E fez dela o ideal da mulher da Judéia...
VIII
Olha a pobre mulher: esta mulher amante
Esta manhã ainda, ao aço rutilante,
Reviu seu rosto belo, enrolou seus cabelos,
Perfumou-os de mirra, untou-os de mamono,
Cacheou-os na testa em múltiplos novelos,
Enquanto lhe dormia ainda um pouco o sono
Entre os cílios; enquanto em sua face linda
Com um longo beijo o sol não a acordara ainda.
Mas se à festa do leão não resiste a leoa,
Caiu esta, que é bela, e além de tudo é boa.
Deus, que os sóis pelo céu andar em luta veda,
Deu-lhe a beleza — o abismo, e deu-lhe o amor — a queda.
Que dorso! Aquele branco e luminoso dorso!...
Aquele seio, aonde as pomas rutilantes
Vão nas asas fugir, sem fazer um esforço,
Vão fugir, adejar por esses céus distantes,
Ai! tão perto do céu! ai! tão fora do ninho!
Vejo-as quase a saltar do transparente linho:
Quero-os em pé, a luz, quero ver tudo isto...
O teu vasto linhol 'stá-m'a escondendo, ó Cristo.
O irradiar do torso esplêndido da adúltera
Vale o linhol de um deus, vale a inconsútil púrpura.
Caiu? — Quero alteada essa cabeça fina,
Ver um colo que ondula e como flor se inclina
Na haste flexível: sim, quero ver como rola
Na pequenina orelha a egipciana argola;
E erguida e a mover-se, a andar, a rir, sim! vê-la:
Ver se a estrela é que a vence, ou se ela vence a estrela.
Mas enquanto ela jaz a tua sombra santa,
Enquanto esta mulher gentil não se levanta,
E espera em tua força, ó Jesus, certo abrigo...
Ficarei junto dela, ó mármore, e contigo.
Imagem - 02150002
Publicado no livro O Cristo e a Adúltera (1941).
In: DELFINO, Luiz. Poemas escolhidos. Sel. e introd. Nereu Corrêa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. p.133-135
NOTA: Poema composto de 19 parte
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