Bernardo Guimarães

Bernardo Guimarães

Bernardo Joaquim da Silva Guimarães foi um romancista e poeta brasileiro, conhecido por ter escrito o livro A Escrava Isaura.

1825-08-15 Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
1884-03-10 Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
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Dilúvio de Papel

Sonho de um jornalista poeta


I

Que sonho horrível! — gélidos suores
Da fronte inda me escorrem;
Eu tremo todo! — crebros calafrios
Os membros me percorrem.

Eu vi sumir-se a natureza inteira
Em pélago profundo;
Eu vi, eu vi... acreditai, vindouros,
Eu vi o fim do mundo!...

(...)

VII

(...)

Bem como nuvem densa,
Eu vejo chusma imensa
De folhas de papel, que o espaço coalham,
Que lépidas farfalham,
Que trêmulas chocalham,
Nos ares se tresmalham,
E sobre a fronte passam-me, e repassam,
E em contínuo vórtice esvoaçam.

(...)

E lá vinha de Times nuvem densa
Com um sussuro horrendo
No ar as pandas asas estendendo,
Derramando nos mares sombra imensa.
E após vinha em vastíssima coorte
O País, a Imprensa, o Globo, o Mundo,
O Este, e o Oeste, o Sul, e o Norte,
Esvoaçando sobre o mar profundo,
Jornais de toda a língua, e toda sorte,
Que no hemisfério nosso vêm dar fundo,
Gazetas alemãs com tipos góticos,
E mil outras com títulos exóticos.

(...)

X

Fiquei aniquilado!...
Horror! horror! há nada mais cruel,
Do que morrer a gente sufocado
Debaixo de uma nuvem de papel?!
Mas eis que de repente
A mais atroz lembrança
O desespero me sugere à mente,
Que exulta em seus desejos de vingança.
Veio-me à idéia de Sansão o exemplo,
Com seus robustos braços abalando
As colunas do templo,
E sob suas ruínas esmagando
A si e aos inimigos
Para evitar seus pérfidos castigos.

(...)

"A mim e a ti verás,
E a toda tua infanda papelada
Reduzidos a pó, a cinza, a nada!"

Enquanto isto eu dizia, da algibeira
Uma caixa de fósforos tirava,
Que por felicidade então trazia:

(...)

Como Hércules em cima da fogueira
Por suas próprias mãos alevantada,
Eu com serena face prazenteira
Vejo lavrar a chama abençoada.
Espesso fumo em túrbidos novelos
Os ares escurece.

E a rubra labareda, que recresce,
Já me devora as vestes e os cabelos.
Em tão cruel tortura
Horrenda me aparece
Da morte a catadura,
E a coragem de todo me falece.
"Perdão! perdão! ó musa! ai!... a teu bordo...
O fumo me sufoca... eu morro..." acordo!...

XI

Ainda bem que esse quadro tão medonho
Não foi mais do que um sonho.

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Publicado no livro Poesias (1865). Poema integrante da série Poesias Diversas.

In: GUIMARÃES, Bernardo. Poesias completas. Org. introd. cronol. e notas Alphonsus de Guimaraens Filho. Rio de Janeiro: INL, 1959

NOTA: Poema composto de 11 parte
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