Charles Bukowski
poeta, contista e romancista estadunidense
1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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Dança do Cachorro Branco
Henry pegou o travesseiro, embolou-o atrás da cabeça e ficou esperando. Louise entrou com as torradas, geleia e café. A torrada com manteiga.
– Tem certeza de que não quer dois ovos cozidos? – ela perguntou.
– Não, tudo bem. Está ótimo.
– Devia comer dois ovos cozidos.
– Tudo bem, então.
Louise saiu do quarto. Ele se levantara antes para ir ao banheiro e notara que suas roupas tinham sido penduradas. Coisa que Lita jamais fazia. E Louise era uma foda excelente. Sem filhos. Ele adorava o modo como ela fazia tudo, suavemente, cuidadosamente. Lita estava sempre no ataque – só arestas. Quando Louise voltou com os ovos cozidos, ele perguntou-lhe:
– Que é isso?
– Que é o quê?
– Você até descascou os ovos. Quer dizer, por que seu marido se divorciou de você?
– Ah, espere – ela disse –, o café está fervendo!
E saiu correndo do quarto.
Ele ouvia música clássica com ela. Ela tocava piano. Tinha livros: O Deus selvagem, de Alvarez; A vida de Picasso, de E. B. White; e. e. cummings; T. S. Eliot; Pound; Ibsen; e por aí afora. Tinha até nove livros dele mesmo. Talvez isso fosse o melhor.
Louise voltou e meteu-se na cama, o prato no colo.
– Que foi que deu errado no seu casamento?
– Qual deles? Foram cinco!
– O último. Lita.
– Ah. Bem, a menos que estivesse em movimento, Lita achava que nada estava acontecendo. Gostava de danças e festas, toda a vida dela girava em torno de danças e festas. Gostava do que chamava de “ficar ligadona”. O que significa homens. Dizia que eu restringia os “baratos” dela. Dizia que eu era ciumento.
– Você reprimia ela?
– Acho que sim, mas tentava não fazer isso. Na última festa, saí para o quintal com minha cerveja e deixei ela mandar ver. A casa estava cheia de homens, eu ouvia ela lá dentro berrando “Iá–rru!Iá Ru! Iá Ru!” Acho que era só uma garota do interior desinibida.
– Você podia dançar também.
– Acho que sim. Às vezes dançava. Mas ligam o estéreo tão alto que a gente não consegue nem pensar. Eu saía para o quintal. Voltava pra pegar mais cerveja, e lá estava um cara beijando ela debaixo da escada. Eu saía até eles acabarem, depois voltava de novo pra pegar a cerveja. Estava escuro, mas eu achava que tinha sido um amigo, e depois perguntava a ele o que fazia lá embaixo da escada.
– Ela amava você?
– Dizia que sim.
– Sabe, dançar e beijar não é tão mal assim.
– Acho que não. Mas você tinha de ver ela. Tinha uma maneira de dançar como se estivesse se oferecendo em sacrifício. Para estupro. Funcionava muito. Os homens adoravam. Ela tinha 33 anos e dois filhos.
– Ela não entendia que você era um solitário. Os homens têm naturezas diferentes.
– Ela nunca levou em conta minha natureza. Como eu disse, se não estivesse em movimento, ela achava que nada acontecia. Fora isso, vivia de saco cheio. “Oh, isso me enche, aquilo me enche. Tomar o café da manhã com você me enche. Ver você escrever me enche. Preciso de desafios.”
– Isso não me parece inteiramente errado.
– Acho que não. Mas você sabe, só pessoas que enchem o saco ficam de saco cheio. Têm de viver se cutucando continuamente pra se sentir vivas.
– Como sua bebida, por exemplo?
– É, como minha bebida. Também não posso encarar a vida de frente.
– O problema era só esse?
– Não, ela era ninfomaníaca mas não sabia. Dizia que eu satisfazia ela sexualmente, mas duvido que eu satisfizesse a ninfomania espiritual. Foi a segunda ninfo com quem vivi. Tinha ótimas qualidades fora isso, mas a ninfomania era um vexame. Tanto para mim quanto pra meus amigos. Eles me puxavam para um lado e diziam: “Que diabos deu nela?” E eu respondia: “Nada, é só uma garota do interior.”
– E era?
– Era. Mas a outra coisa era um vexame.
– Mais torrada?
– Não, esta está bem.
– O que era um vexame?
– O comportamento dela. Se tivesse outro homem na sala, ela se sentava tão perto dele quanto possível. Ele se curvava pra apagar o cigarro no cinzeiro no chão, ela se curvava também. Ele virava a cabeça pra olhar alguma coisa, ela virava também.
– Era coincidência?
– Eu pensava assim. Mas acontecia vezes demais. O homem se levantava para atravessar a sala, ela se levantava e ia ao lado dele. Quando ele atravessava a sala de volta, lá vinha ela ao lado dele. Os incidentes eram contínuos e numerosos e, como eu disse, vexatórios tanto pra mim quanto pra meus amigos. E no entanto tenho certeza de que ela não sabia o que fazia, vinha tudo do subconsciente.
– Quando eu era mocinha, tinha uma mulher no bairro com uma filha de quinze anos. A filha era incontrolável. A mãe mandava ela comprar pão, ela voltava oito horas depois com o pão, mas nesse tempo tinha fodido com seis homens.
– Acho que a mãe devia fazer seu próprio pão.
– Acho que sim. A garota não se continha. Assim que via um homem, começava a se rebolar toda. A mãe acabou mandando castrar ela.
– E podem fazer isso?
– Podem, mas é preciso passar por tudo que é processo legal. Não se podia fazer mais nada com ela. Tinha passado a vida grávida.
– Você tem alguma coisa contra a dança? – continuou Louise.
– A maioria das pessoas dança por prazer, pra se sentir bem. Ela passava pra sacanagem. Uma das danças favoritas dela era a Dança do Cachorro Branco. O cara trançava uma das pernas dela entre as dele e mexia pra frente e pra trás como um cachorro com tesão. Outra favorita era a Dança do Bêbado. Ela e o parceiro acabavam no chão, rolando um por cima do outro.
– Ela dizia que você tinha ciúmes da dança dela?
– Era a palavra que ela usava a maioria das vezes: ciúmes.
– Eu dançava no ginásio.
– É? Escuta, obrigado pelo café.
– Tudo bem. Eu tinha um parceiro no ginásio. A gente era os melhores dançarinos da escola. Ele tinha três bagos; eu achava isso um sinal de masculinidade.
– Três bagos?
– É, três bagos. Como eu ia dizendo, a gente sabia mesmo dançar. Eu dava o sinal tocando o pulso dele, e aí a gente saltava e virava em pleno ar, muito alto, e caía de pé. Uma vez, a gente estava dançando, e eu toquei o pulso dele e dei meu salto e virada, mas não caí de pé. Caí de bunda. Ele pôs a mão na boca, ficou me olhando e disse: “Ó, meu deus do céu!” e se mandou. Não me levantou. Era homossexual. Nunca mais dançamos juntos.
– Tem alguma coisa contra homossexuais de três bagos?
– Não, mas nunca mais dançamos.
– Lita era verdadeiramente obcecada pela dança. Entrava em bares desconhecidos e convidava os homens a dançarem com ela. Claro que eles iam. Achavam ela uma foda fácil. Eu não sei se ela fodia ou não. Acho que às vezes fodia. O problema dos homens que dançam ou vivem em bares é que têm uma visão igual à de uma tênia.
– Como sabe disso?
– Eles são apanhados no ritual.
– Que ritual?
– O ritual da energia mal dirigida.
Henry levantou-se e começou a vestir-se.
– Garota, eu tenho de ir.
– Que é isso?
– Tenho de terminar um trabalho. Eu sou, supostamente, um escritor.
– Tem uma peça de Ibsen na TV hoje de noite. Oito e meia. Você vem?
– Claro. Deixei aquele uísque. Não beba todo.
Henry enfiou as roupas, desceu a escada, entrou no carro e dirigiu para casa e sua máquina de escrever. Segundo andar, fundos. Todo dia, enquanto ele batia à máquina, a mulher de baixo batia no teto com a vassoura. Ele escrevia da maneira difícil, sempre tinha sido da maneira difícil: A Dança do Cachorro Branco...
Louise ligou às cinco e meia da tarde. Atacara o uísque. Estava bêbada. Embolava as palavras. Não dizia coisa com coisa. A leitora de Thomas Chatterton e D. H. Lawrence. A leitora de nove dos livros dele.
– Henry?
– Sim?
– Oh, aconteceu uma coisa maravilhosa.
– Sim?
– Um rapaz negro veio me visitar. É lindo! Mais lindo que você...
– Claro.
– ...mais lindo que você e eu juntos.
– Sim.
– Me deixou tão excitada! Estou a ponto de perder a cabeça!
– Sim.
– Você não liga?
– Não.
– Sabe como passamos a tarde?
– Não.
– Lendo seus poemas!
– Oh?
– E sabe o que ele disse?
– Não.
– Disse que seus poemas são sensacionais!
– Tudo bem.
– Escuta, ele me deixou muito excitada. Não sei o que fazer. Você não vem? Agora? Quero ver você agora...
– Louise, estou trabalhando...
– Escuta, você tem alguma coisa contra negros?
– Não.
– Eu conheço esse garoto há dez anos. Ele trabalhava pra mim quando eu era rica.
– Quer dizer, quando você ainda vivia com seu marido rico.
– Vou ver você depois? Ibsen é às oito e meia.
– Eu lhe informo.
– Por que aquele sacana apareceu? Eu estava bem, e aí ele aparece. Nossa. Estou tão excitada que preciso ver você. Estou ficando maluca. Ele era tão lindo.
– Estou trabalhando, Louise. O problema aqui é “Aluguel”. Tente entender.
Louise desligou. Tornou a ligar às oito e vinte. Henry disse que continuava trabalhando. E continuava. Depois começou a beber e ficou simplesmente sentado na cadeira, simplesmente sentado na cadeira. Às dez para as dez, ouviu uma batida na porta. Era Booboo Meltzer, o astro de rock número 1 da década de 1970, atualmente desempregado, ainda vivendo de direitos autorais.
– Oi, garoto – disse Henry.
Meltzer entrou e sentou-se.
– Cara – disse –, você é um velho e belo gato. Eu não aguento.
– Calma, garoto, gato está fora de moda, o quente agora é cachorro.
– Tenho um palpite de que você precisa de ajuda, coroa.
– Garoto, nunca foi de outro jeito.
Henry foi à cozinha, pegou duas cervejas, abriu-as e voltou.
– Estou sem xoxota, garoto, o que pra mim é o mesmo que estar sem amor. Não consigo separar as duas coisas. Não sou tão vivo assim.
– Nenhum de nós é vivo, Vovô. Todos precisamos de ajuda.
– É...
Meltzer tinha um tubinho de celuloide. Cuidadosamente, despejou dois montinhos brancos na mesa de café.
– Isso é cocaína, Vovô, cocaína...
– Ah, ha.
Meltzer meteu a mão no bolso, puxou uma nota de cinquenta dólares, fez um canudo bem comprimido e enfiou-o no nariz. Apertando a outra narina com um dedo, curvou-se sobre uma das manchas brancas na mesa de café e inalou-a. Depois enfiou a nota de cinquenta dólares na outra narina e cafungou a segunda mancha.
– Neve – disse Meltzer.
– É Natal. Muito apropriado – disse Henry.
Meltzer bateu mais duas manchas e passou os cinquenta. Henry disse:
– Guenta aí, eu uso a minha.
E pegou uma nota de um dólar e cafungou. Uma para cada narina.
– Que acha de A Dança do Cachorro Branco? – perguntou Henry.
– Isto aqui é que é “A Dança do Cachorro Branco” – disse Meltzer, batendo mais duas carreiras.
– Nossa – disse Henry. – Acho que nunca mais vou ficar de saco cheio. Você não está cheio de mim, está?
– De jeito nenhum – disse Meltzer, cafungando através da nota de cinquenta dólares com toda a força. – Vovô, de jeito nenhum...
– Numa Fria
– Tem certeza de que não quer dois ovos cozidos? – ela perguntou.
– Não, tudo bem. Está ótimo.
– Devia comer dois ovos cozidos.
– Tudo bem, então.
Louise saiu do quarto. Ele se levantara antes para ir ao banheiro e notara que suas roupas tinham sido penduradas. Coisa que Lita jamais fazia. E Louise era uma foda excelente. Sem filhos. Ele adorava o modo como ela fazia tudo, suavemente, cuidadosamente. Lita estava sempre no ataque – só arestas. Quando Louise voltou com os ovos cozidos, ele perguntou-lhe:
– Que é isso?
– Que é o quê?
– Você até descascou os ovos. Quer dizer, por que seu marido se divorciou de você?
– Ah, espere – ela disse –, o café está fervendo!
E saiu correndo do quarto.
Ele ouvia música clássica com ela. Ela tocava piano. Tinha livros: O Deus selvagem, de Alvarez; A vida de Picasso, de E. B. White; e. e. cummings; T. S. Eliot; Pound; Ibsen; e por aí afora. Tinha até nove livros dele mesmo. Talvez isso fosse o melhor.
Louise voltou e meteu-se na cama, o prato no colo.
– Que foi que deu errado no seu casamento?
– Qual deles? Foram cinco!
– O último. Lita.
– Ah. Bem, a menos que estivesse em movimento, Lita achava que nada estava acontecendo. Gostava de danças e festas, toda a vida dela girava em torno de danças e festas. Gostava do que chamava de “ficar ligadona”. O que significa homens. Dizia que eu restringia os “baratos” dela. Dizia que eu era ciumento.
– Você reprimia ela?
– Acho que sim, mas tentava não fazer isso. Na última festa, saí para o quintal com minha cerveja e deixei ela mandar ver. A casa estava cheia de homens, eu ouvia ela lá dentro berrando “Iá–rru!Iá Ru! Iá Ru!” Acho que era só uma garota do interior desinibida.
– Você podia dançar também.
– Acho que sim. Às vezes dançava. Mas ligam o estéreo tão alto que a gente não consegue nem pensar. Eu saía para o quintal. Voltava pra pegar mais cerveja, e lá estava um cara beijando ela debaixo da escada. Eu saía até eles acabarem, depois voltava de novo pra pegar a cerveja. Estava escuro, mas eu achava que tinha sido um amigo, e depois perguntava a ele o que fazia lá embaixo da escada.
– Ela amava você?
– Dizia que sim.
– Sabe, dançar e beijar não é tão mal assim.
– Acho que não. Mas você tinha de ver ela. Tinha uma maneira de dançar como se estivesse se oferecendo em sacrifício. Para estupro. Funcionava muito. Os homens adoravam. Ela tinha 33 anos e dois filhos.
– Ela não entendia que você era um solitário. Os homens têm naturezas diferentes.
– Ela nunca levou em conta minha natureza. Como eu disse, se não estivesse em movimento, ela achava que nada acontecia. Fora isso, vivia de saco cheio. “Oh, isso me enche, aquilo me enche. Tomar o café da manhã com você me enche. Ver você escrever me enche. Preciso de desafios.”
– Isso não me parece inteiramente errado.
– Acho que não. Mas você sabe, só pessoas que enchem o saco ficam de saco cheio. Têm de viver se cutucando continuamente pra se sentir vivas.
– Como sua bebida, por exemplo?
– É, como minha bebida. Também não posso encarar a vida de frente.
– O problema era só esse?
– Não, ela era ninfomaníaca mas não sabia. Dizia que eu satisfazia ela sexualmente, mas duvido que eu satisfizesse a ninfomania espiritual. Foi a segunda ninfo com quem vivi. Tinha ótimas qualidades fora isso, mas a ninfomania era um vexame. Tanto para mim quanto pra meus amigos. Eles me puxavam para um lado e diziam: “Que diabos deu nela?” E eu respondia: “Nada, é só uma garota do interior.”
– E era?
– Era. Mas a outra coisa era um vexame.
– Mais torrada?
– Não, esta está bem.
– O que era um vexame?
– O comportamento dela. Se tivesse outro homem na sala, ela se sentava tão perto dele quanto possível. Ele se curvava pra apagar o cigarro no cinzeiro no chão, ela se curvava também. Ele virava a cabeça pra olhar alguma coisa, ela virava também.
– Era coincidência?
– Eu pensava assim. Mas acontecia vezes demais. O homem se levantava para atravessar a sala, ela se levantava e ia ao lado dele. Quando ele atravessava a sala de volta, lá vinha ela ao lado dele. Os incidentes eram contínuos e numerosos e, como eu disse, vexatórios tanto pra mim quanto pra meus amigos. E no entanto tenho certeza de que ela não sabia o que fazia, vinha tudo do subconsciente.
– Quando eu era mocinha, tinha uma mulher no bairro com uma filha de quinze anos. A filha era incontrolável. A mãe mandava ela comprar pão, ela voltava oito horas depois com o pão, mas nesse tempo tinha fodido com seis homens.
– Acho que a mãe devia fazer seu próprio pão.
– Acho que sim. A garota não se continha. Assim que via um homem, começava a se rebolar toda. A mãe acabou mandando castrar ela.
– E podem fazer isso?
– Podem, mas é preciso passar por tudo que é processo legal. Não se podia fazer mais nada com ela. Tinha passado a vida grávida.
– Você tem alguma coisa contra a dança? – continuou Louise.
– A maioria das pessoas dança por prazer, pra se sentir bem. Ela passava pra sacanagem. Uma das danças favoritas dela era a Dança do Cachorro Branco. O cara trançava uma das pernas dela entre as dele e mexia pra frente e pra trás como um cachorro com tesão. Outra favorita era a Dança do Bêbado. Ela e o parceiro acabavam no chão, rolando um por cima do outro.
– Ela dizia que você tinha ciúmes da dança dela?
– Era a palavra que ela usava a maioria das vezes: ciúmes.
– Eu dançava no ginásio.
– É? Escuta, obrigado pelo café.
– Tudo bem. Eu tinha um parceiro no ginásio. A gente era os melhores dançarinos da escola. Ele tinha três bagos; eu achava isso um sinal de masculinidade.
– Três bagos?
– É, três bagos. Como eu ia dizendo, a gente sabia mesmo dançar. Eu dava o sinal tocando o pulso dele, e aí a gente saltava e virava em pleno ar, muito alto, e caía de pé. Uma vez, a gente estava dançando, e eu toquei o pulso dele e dei meu salto e virada, mas não caí de pé. Caí de bunda. Ele pôs a mão na boca, ficou me olhando e disse: “Ó, meu deus do céu!” e se mandou. Não me levantou. Era homossexual. Nunca mais dançamos juntos.
– Tem alguma coisa contra homossexuais de três bagos?
– Não, mas nunca mais dançamos.
– Lita era verdadeiramente obcecada pela dança. Entrava em bares desconhecidos e convidava os homens a dançarem com ela. Claro que eles iam. Achavam ela uma foda fácil. Eu não sei se ela fodia ou não. Acho que às vezes fodia. O problema dos homens que dançam ou vivem em bares é que têm uma visão igual à de uma tênia.
– Como sabe disso?
– Eles são apanhados no ritual.
– Que ritual?
– O ritual da energia mal dirigida.
Henry levantou-se e começou a vestir-se.
– Garota, eu tenho de ir.
– Que é isso?
– Tenho de terminar um trabalho. Eu sou, supostamente, um escritor.
– Tem uma peça de Ibsen na TV hoje de noite. Oito e meia. Você vem?
– Claro. Deixei aquele uísque. Não beba todo.
Henry enfiou as roupas, desceu a escada, entrou no carro e dirigiu para casa e sua máquina de escrever. Segundo andar, fundos. Todo dia, enquanto ele batia à máquina, a mulher de baixo batia no teto com a vassoura. Ele escrevia da maneira difícil, sempre tinha sido da maneira difícil: A Dança do Cachorro Branco...
Louise ligou às cinco e meia da tarde. Atacara o uísque. Estava bêbada. Embolava as palavras. Não dizia coisa com coisa. A leitora de Thomas Chatterton e D. H. Lawrence. A leitora de nove dos livros dele.
– Henry?
– Sim?
– Oh, aconteceu uma coisa maravilhosa.
– Sim?
– Um rapaz negro veio me visitar. É lindo! Mais lindo que você...
– Claro.
– ...mais lindo que você e eu juntos.
– Sim.
– Me deixou tão excitada! Estou a ponto de perder a cabeça!
– Sim.
– Você não liga?
– Não.
– Sabe como passamos a tarde?
– Não.
– Lendo seus poemas!
– Oh?
– E sabe o que ele disse?
– Não.
– Disse que seus poemas são sensacionais!
– Tudo bem.
– Escuta, ele me deixou muito excitada. Não sei o que fazer. Você não vem? Agora? Quero ver você agora...
– Louise, estou trabalhando...
– Escuta, você tem alguma coisa contra negros?
– Não.
– Eu conheço esse garoto há dez anos. Ele trabalhava pra mim quando eu era rica.
– Quer dizer, quando você ainda vivia com seu marido rico.
– Vou ver você depois? Ibsen é às oito e meia.
– Eu lhe informo.
– Por que aquele sacana apareceu? Eu estava bem, e aí ele aparece. Nossa. Estou tão excitada que preciso ver você. Estou ficando maluca. Ele era tão lindo.
– Estou trabalhando, Louise. O problema aqui é “Aluguel”. Tente entender.
Louise desligou. Tornou a ligar às oito e vinte. Henry disse que continuava trabalhando. E continuava. Depois começou a beber e ficou simplesmente sentado na cadeira, simplesmente sentado na cadeira. Às dez para as dez, ouviu uma batida na porta. Era Booboo Meltzer, o astro de rock número 1 da década de 1970, atualmente desempregado, ainda vivendo de direitos autorais.
– Oi, garoto – disse Henry.
Meltzer entrou e sentou-se.
– Cara – disse –, você é um velho e belo gato. Eu não aguento.
– Calma, garoto, gato está fora de moda, o quente agora é cachorro.
– Tenho um palpite de que você precisa de ajuda, coroa.
– Garoto, nunca foi de outro jeito.
Henry foi à cozinha, pegou duas cervejas, abriu-as e voltou.
– Estou sem xoxota, garoto, o que pra mim é o mesmo que estar sem amor. Não consigo separar as duas coisas. Não sou tão vivo assim.
– Nenhum de nós é vivo, Vovô. Todos precisamos de ajuda.
– É...
Meltzer tinha um tubinho de celuloide. Cuidadosamente, despejou dois montinhos brancos na mesa de café.
– Isso é cocaína, Vovô, cocaína...
– Ah, ha.
Meltzer meteu a mão no bolso, puxou uma nota de cinquenta dólares, fez um canudo bem comprimido e enfiou-o no nariz. Apertando a outra narina com um dedo, curvou-se sobre uma das manchas brancas na mesa de café e inalou-a. Depois enfiou a nota de cinquenta dólares na outra narina e cafungou a segunda mancha.
– Neve – disse Meltzer.
– É Natal. Muito apropriado – disse Henry.
Meltzer bateu mais duas manchas e passou os cinquenta. Henry disse:
– Guenta aí, eu uso a minha.
E pegou uma nota de um dólar e cafungou. Uma para cada narina.
– Que acha de A Dança do Cachorro Branco? – perguntou Henry.
– Isto aqui é que é “A Dança do Cachorro Branco” – disse Meltzer, batendo mais duas carreiras.
– Nossa – disse Henry. – Acho que nunca mais vou ficar de saco cheio. Você não está cheio de mim, está?
– De jeito nenhum – disse Meltzer, cafungando através da nota de cinquenta dólares com toda a força. – Vovô, de jeito nenhum...
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