Coração sexual
Não existe órgão tão sexual como o coração,
e, no entanto, Lisboa tem vergonha do poço
e do orifício, do labor do ofício, de um entra
e sai peregrino, implodindo de oprimido.
A ser quase coração, afirma-se no combate
dos glóbulos felinos entre o verbo carmim
de encarnado e o azul de um nobre fardo, mas
o labirinto passa pelo corpo de curta mente;
tudo se faz, nada se sente, viaja-se pela rede
das veias, artérias, do oxigénio vendido ao
interesse dos demais. Tu assim em meu ouvido,
as buzinas estalando, zumbindo, e eu dizendo
em modo hi-phone, «está lá, não oiço, diz-me
onde estás?» Lisboa não anda a pé, perde o
autocarro, esconde-se no assento do carro,
o músculo pulsando no furor dos sentidos,
caminhando por entre pontes cavadas e portões.
Lisboa de qualquer barco, do leito sem jeito,
atada ao faz que sim de um telemóvel, também
quando se grita por maior salário, não sabendo
quando passará a turbulência. Quem nos dera um
fingido verdadeiro discurso, o tal amor venenoso
da aorta ascendente surgindo; que o espírito
empurrasse o corpo, numa variação de beijo
caído sem sombra de ideal; quem nos dera esse
circuito, essa pressão, esse bombear, esse ser de
roda do outro para ser mais feliz. O que conta é,
porém, o excesso de realismo – o «não posso,
talvez um dia um café», esse tão brando, fácil,
elegante e puro sentir do «não estás cá e eu aqui»,
mas já nem do fixo se telefona, do auscultador
resta a dor, e da janela sobram as cavidades do cais.
e, no entanto, Lisboa tem vergonha do poço
e do orifício, do labor do ofício, de um entra
e sai peregrino, implodindo de oprimido.
A ser quase coração, afirma-se no combate
dos glóbulos felinos entre o verbo carmim
de encarnado e o azul de um nobre fardo, mas
o labirinto passa pelo corpo de curta mente;
tudo se faz, nada se sente, viaja-se pela rede
das veias, artérias, do oxigénio vendido ao
interesse dos demais. Tu assim em meu ouvido,
as buzinas estalando, zumbindo, e eu dizendo
em modo hi-phone, «está lá, não oiço, diz-me
onde estás?» Lisboa não anda a pé, perde o
autocarro, esconde-se no assento do carro,
o músculo pulsando no furor dos sentidos,
caminhando por entre pontes cavadas e portões.
Lisboa de qualquer barco, do leito sem jeito,
atada ao faz que sim de um telemóvel, também
quando se grita por maior salário, não sabendo
quando passará a turbulência. Quem nos dera um
fingido verdadeiro discurso, o tal amor venenoso
da aorta ascendente surgindo; que o espírito
empurrasse o corpo, numa variação de beijo
caído sem sombra de ideal; quem nos dera esse
circuito, essa pressão, esse bombear, esse ser de
roda do outro para ser mais feliz. O que conta é,
porém, o excesso de realismo – o «não posso,
talvez um dia um café», esse tão brando, fácil,
elegante e puro sentir do «não estás cá e eu aqui»,
mas já nem do fixo se telefona, do auscultador
resta a dor, e da janela sobram as cavidades do cais.
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