O Desespero do Amante

Onde andará
quem um dia o meu passo transformou
e sutil e silenciosa e envolvente
acorrentada manteve-me a esperança

Nas insubmissas falanges do peito
em toda parte te busquei

Fiz-me do vento, das areias molhadas das praias,
dos clarões de lua que te viram nua,
dos raios de sol que te beijaram o dorso,
inimigos declarados porque cúmplices na tua fuga

De nada valeram as minhas dragonas
na tua busca
nem o rútilo da espada
tantas vezes entre os dosséis desembainhada
amedrontaram o tempo que implacável
te esconde e alcovita

Maldito para sempre
o tempo que em nós passou
qual ave de rapina, imensa,
erodiu o esvoaçar dos teus cabelos
transformou em ladeira abandonada
tuas curvas
antes precipício
onde o suicídio a cada instante eu cometia

Onde indescobertos ficaram
os altaneiros cimos de bicos acintosos
a desafiar a gravidade.

Onde o trigal às bordas do Vesúvio
em cinzas transformado

Onde a lassidão,
aquele sentimento enorme de morrer a dois
quando a maré entrechocada
confundia o sentimento e a razão

O tempo afugentou a sinuosidade do teu corpo
contido antes no leito de um vestido

Tempo, tempo, porque me obrigas
a ir buscá-la
montado na crina azul das minhas lembranças
se sabes a magia desfeita e desvanecido o encanto

Não te basta o sorver amargo
do veneno ensandecido
gota a gota
nos versos malditos
que cultivo

Arranque-a pedaço a pedaço
das minhas estrelas

Emudeça-me as mãos
petrifique-me a razão
faça-me calar no peito
a imagem que os meus galos madrugada
insistem envolver nos meus lençóis.

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