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Tarso de Melo nasceu em 1976, em Santo André (SP). Seus pais, Tarcisio e Miriam, vieram de uma pequena cidade chamada Laje Grande, em Pernambuco. “Não sei se Laje Grande é distrito ou subdistrito de Catende”, comenta o poeta. Seu pai veio para trabalhar na indústria. Até hoje faz manutenção de caldeiras em fábricas. Tarso chegou a trabalhar com o pai quando era garoto, mas como boy. Estudou em escolas públicas e fez direito na Faculdade de Direito de São Bernardo. Hoje, formado, fazendo mestrado em filosofia do direito na USP, ele trabalha num escritório de advocacia cuja especialidade é em acidentes de trabalho.
No seu dia-a-dia, o poeta nem bem acorda e já segue para o trabalho. Nem bem chega e já tem de enfrentar a realidade brasileira, aquela que nos encara, e cobra seus direitos. No caso de Tarso, cobra mesmo. Uma mulher aparece logo cedo chiando. O marido está inválido, não pode mais trabalhar. E até agora a Previdência não regularizou a situação deles. Se a coisa continuar assim, em breve eles perderão a casa onde moram, pois há anos não conseguem pagar o IPTU.
“Antes, quando se falava em acidente de trabalho, a gente logo pensava naquele cara que perdeu a mão, o dedo. Hoje, a coisa é diferente”, conta Tarso. “Não tem mais mutilação, à moda antiga. Você passa na porta de uma fábrica e lê numa placa: estamos há mais de 120 dias sem acidente. É verdade, ninguém perdeu o braço, a mão, o dedo. Mas, quando você vai ver, vários empregados estão afastados por outros motivos, como LER e depressão”.
Ele conhece na palma da mão a história da região onde mora, cenário das grandes greves dos anos 80. É um cara preocupadíssimo, como não poderia deixar de ser, com a situação que o cerca. Pode discorrer horas sobre o desenvolvimento industrial no ABC e analisar o momento atual, do “sucateamento geral”, como ele diz. Sua poesia, porém, no começo, pouco vazava desse mundo. O poema parecia ser um local, um oásis de palavras e livros, em meio ao caos. Se a realidade circundante não era assunto direto, era, pelo menos, clima, paisagem, mas com algo de ruína.
Na poesia de Tarso, nem sempre é fácil saber do que exatamente o poeta está falando. Há um jogo de palavras, imagens, símbolos que pedem decifração -lenta e cautelosa, como toda decifração. Porém, o leitor já sai da primeira leitura com uma sensação de melancolia, de angústia, de fragmentação do indivíduo, tensões que surgem no miolo dos seus belos poemas.
Aos 28 anos, ele já tem alguns livros publicados. Descartou as obras de quando era muito moleque, como o livro “Mimos mínimos”, lançado aos 19 anos. Sei que ele publicou ainda outros títulos, em tiragens caseiras. Havia até mesmo um livro de ensaios chamado “Poesia pão e circo & Paulo Leminski: ofício de fascínio”. Mas hoje ele prefere se referir a sua estréia literária como sendo a edição do livro “A lapso”, publicado em 1999, e com orelha/apresentação do crítico e também poeta Júlio Castañon Guimarães.
É Júlio quem assinala que na poesia de Tarso, há “uma construção sensível, que incorpora como matéria-prima elementos como a melancolia, o desencanto, a ironia, que circulam por entre as frestas da concisão e da contenção”. Como naquele “Guapé”, que faz referência à rua onde o poeta morava: “entre a rua e meus/ óculos, janela/ e algumas grades/ - nuvens atrás - / a tarde fria/ segura, secas/ guias por onde/ meninos passam/.../ os dias gravados/ no muro/ com a cor indecisa/ das tintas ausentes”. A tal matéria-prima citada pelo crítico adere à paisagem e se faz linguagem concreta. É uma melancolia palpável, impressa pelo lado de fora.
Duas páginas depois, já que falamos de grades -grades de proteção das casas de classe média- o leitor depara com “Visita”, belíssimo poema, um dos mais bonitos do livro, em que o poeta diz de cara “fora, paredes altas/ cinzas/ e o cheiro úmido/ específico/ despreza o vento”. É neste poema que a realidade, com voz própria, aparece e faz balançar toda a construção concisa de Tarso: “ali, mãos para/ trás ou entre grades,/ veias saltam (vem/ à cabeça um que/ ao duvidar da virgindade/ da filha/ de doze ou treze anos/ a estuprou/ para confirmar)”. É o mesmo olhar, mas agora para as “paredes altas” com a recordação de um desses casos que a violência urbana já banalizou, mas quando citado ainda tem a força de nos revolver as entranhas.
Mas o tema do cotidiano, da banalização da violência, dos dias que se repetem sem alterar nada no rumo da vida, “um dia igual aos outros”, encontrará maior amplitude na obra seguinte, no livro que Tarso publicou em 2002, cujo título já era um indicativo interessante: “Carbono”. Neste livro também a voz começava a se expandir, a quebrar a barreira da concisão -que pode ser muito boa, mas também corre o perigo de ser redutora e virar cacoete de linguagem, fazendo com que o poeta apenas lance no papel em branco pinceladas que pouco, ou nada, dizem. Ela pode virar uma espécie de anemia de idéias. Disso, pelo visto, Tarso foge como diabo da cruz.
Vale lembrar ainda que alguns poemas deste livro já haviam sido publicados em livrinhos e livretinhos. Lembro-me particularmente de dois. O primeiro era uma jóia amorosa e se chamava “um mundo só para cada par”, com poemas do Tarso e dos amigos Fabiano Calixto e Kleber Mantovani, outros dois bons poetas. O amor era o tema central. Outro era “Deserto: 20 poemas”, numa edição sanfonada, distribuída entre os amigos.
Tarso, que já editara a revista “Monturo”, passava a editar agora a revista “Cacto”, com Eduardo Sterzi. Acho que as experiências com as revistas acabaram por reorientar sua poesia. Ele atingia com “Carbono” uma voz mais delineada, mais própria, incorporando outros diálogos, como se percebe até mesmo pelas epígrafes dos poemas e pelas citações, que passam por Manuel Bandeira, zanzam na área de Vinicius de Moraes, se lançam às ruas com Fernando Pessoa, e perseguem pontualmente Drummond.
Essa escolha significava também uma outra atitude diante da sua matéria-prima: a preocupação social. Numa conversa, perguntei para ele como era lidar com essa tradição. O poeta foi claro em sua resposta: “Essa tradição me ajuda na relação que existe entre poesia e mundo. Se esses poetas escreveram poemas respondendo a isso, no momento histórico deles, a gente percebe que também pode fazer a mesma coisa agora. Claro, não dá para entrar em comparações, pois aí a cobrança vai para um grau absurdo”, explica.
Tarso, assim, parece optar por uma poesia não somente preocupada com a invenção (se é que é possível usar um conceito tão desgastado nos dias de hoje e que serve apenas para rotular produtos no mercado) e com a solução formal para os problemas que ele enfrenta, mas também em registrar o momento que vive, com as dúvidas, os espantos, as angústias do dia-a-dia, este “desterro em/ meu deserto”, como ele escreve num dos poemas da série “Deserto”.
Recentemente, o poeta distribuiu entre os amigos um livro de tiragem restrita. Trata-se de “Plano de fuga e outros poemas”, com sua produção mais nova. Mais uma vez, sua poesia passa a pedir maior discursividade. Ou melhor, o “tempo presente” pede um discurso mais amplo, mesmo que os poemas girem ainda na esfera das concisões, das elipses, do jogo das metáforas inteligentes, como se percebe em suas obras. Porém o respiro já é outro, como na série em prosa que dá título ao livro, ponto alto de sua poesia e também de suas dúvidas. O livro “Plano de fuga e outros poemas” deverá sair ainda este ano, numa edição maior, claro, pela coleção Ás de Colete, da Cosac Naify (leia poemas inéditos no final deste artigo).
Como em todos seus livros, o livro em si sempre aparece, seja como sonho, como fuga, como outra realidade. Ele está lá, nas mãos abertas, nas estantes, cobrando leitura. “O livro é um lugar de refúgio onde nunca não consigo chegar. Saio sempre insatisfeito”, diz o poeta. Digamos que possa haver -ainda é cedo para afirmar- na poesia de Tarso uma oscilação entre o mundo da alta cultura (representado pelos livros) e a realidade urbana, com suas violentas contradições e cobranças. Neste ponto, o poeta oscila, mas sempre tomando o partido da vida.
No seu dia-a-dia, o poeta nem bem acorda e já segue para o trabalho. Nem bem chega e já tem de enfrentar a realidade brasileira, aquela que nos encara, e cobra seus direitos. No caso de Tarso, cobra mesmo. Uma mulher aparece logo cedo chiando. O marido está inválido, não pode mais trabalhar. E até agora a Previdência não regularizou a situação deles. Se a coisa continuar assim, em breve eles perderão a casa onde moram, pois há anos não conseguem pagar o IPTU.
“Antes, quando se falava em acidente de trabalho, a gente logo pensava naquele cara que perdeu a mão, o dedo. Hoje, a coisa é diferente”, conta Tarso. “Não tem mais mutilação, à moda antiga. Você passa na porta de uma fábrica e lê numa placa: estamos há mais de 120 dias sem acidente. É verdade, ninguém perdeu o braço, a mão, o dedo. Mas, quando você vai ver, vários empregados estão afastados por outros motivos, como LER e depressão”.
Ele conhece na palma da mão a história da região onde mora, cenário das grandes greves dos anos 80. É um cara preocupadíssimo, como não poderia deixar de ser, com a situação que o cerca. Pode discorrer horas sobre o desenvolvimento industrial no ABC e analisar o momento atual, do “sucateamento geral”, como ele diz. Sua poesia, porém, no começo, pouco vazava desse mundo. O poema parecia ser um local, um oásis de palavras e livros, em meio ao caos. Se a realidade circundante não era assunto direto, era, pelo menos, clima, paisagem, mas com algo de ruína.
Na poesia de Tarso, nem sempre é fácil saber do que exatamente o poeta está falando. Há um jogo de palavras, imagens, símbolos que pedem decifração -lenta e cautelosa, como toda decifração. Porém, o leitor já sai da primeira leitura com uma sensação de melancolia, de angústia, de fragmentação do indivíduo, tensões que surgem no miolo dos seus belos poemas.
Aos 28 anos, ele já tem alguns livros publicados. Descartou as obras de quando era muito moleque, como o livro “Mimos mínimos”, lançado aos 19 anos. Sei que ele publicou ainda outros títulos, em tiragens caseiras. Havia até mesmo um livro de ensaios chamado “Poesia pão e circo & Paulo Leminski: ofício de fascínio”. Mas hoje ele prefere se referir a sua estréia literária como sendo a edição do livro “A lapso”, publicado em 1999, e com orelha/apresentação do crítico e também poeta Júlio Castañon Guimarães.
É Júlio quem assinala que na poesia de Tarso, há “uma construção sensível, que incorpora como matéria-prima elementos como a melancolia, o desencanto, a ironia, que circulam por entre as frestas da concisão e da contenção”. Como naquele “Guapé”, que faz referência à rua onde o poeta morava: “entre a rua e meus/ óculos, janela/ e algumas grades/ - nuvens atrás - / a tarde fria/ segura, secas/ guias por onde/ meninos passam/.../ os dias gravados/ no muro/ com a cor indecisa/ das tintas ausentes”. A tal matéria-prima citada pelo crítico adere à paisagem e se faz linguagem concreta. É uma melancolia palpável, impressa pelo lado de fora.
Duas páginas depois, já que falamos de grades -grades de proteção das casas de classe média- o leitor depara com “Visita”, belíssimo poema, um dos mais bonitos do livro, em que o poeta diz de cara “fora, paredes altas/ cinzas/ e o cheiro úmido/ específico/ despreza o vento”. É neste poema que a realidade, com voz própria, aparece e faz balançar toda a construção concisa de Tarso: “ali, mãos para/ trás ou entre grades,/ veias saltam (vem/ à cabeça um que/ ao duvidar da virgindade/ da filha/ de doze ou treze anos/ a estuprou/ para confirmar)”. É o mesmo olhar, mas agora para as “paredes altas” com a recordação de um desses casos que a violência urbana já banalizou, mas quando citado ainda tem a força de nos revolver as entranhas.
Mas o tema do cotidiano, da banalização da violência, dos dias que se repetem sem alterar nada no rumo da vida, “um dia igual aos outros”, encontrará maior amplitude na obra seguinte, no livro que Tarso publicou em 2002, cujo título já era um indicativo interessante: “Carbono”. Neste livro também a voz começava a se expandir, a quebrar a barreira da concisão -que pode ser muito boa, mas também corre o perigo de ser redutora e virar cacoete de linguagem, fazendo com que o poeta apenas lance no papel em branco pinceladas que pouco, ou nada, dizem. Ela pode virar uma espécie de anemia de idéias. Disso, pelo visto, Tarso foge como diabo da cruz.
Vale lembrar ainda que alguns poemas deste livro já haviam sido publicados em livrinhos e livretinhos. Lembro-me particularmente de dois. O primeiro era uma jóia amorosa e se chamava “um mundo só para cada par”, com poemas do Tarso e dos amigos Fabiano Calixto e Kleber Mantovani, outros dois bons poetas. O amor era o tema central. Outro era “Deserto: 20 poemas”, numa edição sanfonada, distribuída entre os amigos.
Tarso, que já editara a revista “Monturo”, passava a editar agora a revista “Cacto”, com Eduardo Sterzi. Acho que as experiências com as revistas acabaram por reorientar sua poesia. Ele atingia com “Carbono” uma voz mais delineada, mais própria, incorporando outros diálogos, como se percebe até mesmo pelas epígrafes dos poemas e pelas citações, que passam por Manuel Bandeira, zanzam na área de Vinicius de Moraes, se lançam às ruas com Fernando Pessoa, e perseguem pontualmente Drummond.
Essa escolha significava também uma outra atitude diante da sua matéria-prima: a preocupação social. Numa conversa, perguntei para ele como era lidar com essa tradição. O poeta foi claro em sua resposta: “Essa tradição me ajuda na relação que existe entre poesia e mundo. Se esses poetas escreveram poemas respondendo a isso, no momento histórico deles, a gente percebe que também pode fazer a mesma coisa agora. Claro, não dá para entrar em comparações, pois aí a cobrança vai para um grau absurdo”, explica.
Tarso, assim, parece optar por uma poesia não somente preocupada com a invenção (se é que é possível usar um conceito tão desgastado nos dias de hoje e que serve apenas para rotular produtos no mercado) e com a solução formal para os problemas que ele enfrenta, mas também em registrar o momento que vive, com as dúvidas, os espantos, as angústias do dia-a-dia, este “desterro em/ meu deserto”, como ele escreve num dos poemas da série “Deserto”.
Recentemente, o poeta distribuiu entre os amigos um livro de tiragem restrita. Trata-se de “Plano de fuga e outros poemas”, com sua produção mais nova. Mais uma vez, sua poesia passa a pedir maior discursividade. Ou melhor, o “tempo presente” pede um discurso mais amplo, mesmo que os poemas girem ainda na esfera das concisões, das elipses, do jogo das metáforas inteligentes, como se percebe em suas obras. Porém o respiro já é outro, como na série em prosa que dá título ao livro, ponto alto de sua poesia e também de suas dúvidas. O livro “Plano de fuga e outros poemas” deverá sair ainda este ano, numa edição maior, claro, pela coleção Ás de Colete, da Cosac Naify (leia poemas inéditos no final deste artigo).
Como em todos seus livros, o livro em si sempre aparece, seja como sonho, como fuga, como outra realidade. Ele está lá, nas mãos abertas, nas estantes, cobrando leitura. “O livro é um lugar de refúgio onde nunca não consigo chegar. Saio sempre insatisfeito”, diz o poeta. Digamos que possa haver -ainda é cedo para afirmar- na poesia de Tarso uma oscilação entre o mundo da alta cultura (representado pelos livros) e a realidade urbana, com suas violentas contradições e cobranças. Neste ponto, o poeta oscila, mas sempre tomando o partido da vida.