Vasco Graça Moura

Vasco Graça Moura

Vasco Navarro da Graça Moura foi um escritor, tradutor e político português.

1942-01-03 Porto, Portugal
2014-04-27 Lisboa
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Alguns Poemas

Lâmpada votiva

1.
teve longa agonia a minha mãe: 
seu ser tornou-se um puro sofrimento 
e a sua voz apenas um lamento 
sombrio e lancinante, mas ninguém 

podia fazer nada, era novembro, 
levou-a o sol da tarde quando a face 
lhe serenou, foi como se acordasse 
outra espessura dela em mim. relembro 

sombras e risos, coisas pequenas, nadas, 
e horas graves da infância e idade adulta 
que este silêncio oculta e desoculta 
nessas pobres feições desfiguradas. 

quanta canção perdida se procura, 
quanta encontrada em lágrimas murmura. 

2.
e não queria ser vista e foi envolta 
num lençol branco em suas dobras leves, 
pus junto dela algumas rosas breves 
e a lembrança represa ficou solta 

e foi à desfilada. De repente, 
a minha mãe já não estava morta: 
era o vulto que à noite se recorta 
na luz do corredor, se está doente 

algum de nós, a mão que pousa e traz 
algum sossego à fronte, a voz que chama 
para o almoço, ou nos tira da cama, 
quem nos trata das roupas, ou nos faz, 

bolos de anos e as malas, na partida, 
e a quem a voz tremia à despedida. 

3.
agora deu-se à terra o que é da terra 
e as flores amontoam-se em sinal 
de ser fugaz a vida, sobre a cal. 
e enquanto cada dia desaferra, 

com seu sopro bravio virão ventos 
e as gaivotas, levando-lhe outras vozes, 
uivos do mar, pios, metamorfoses, 
nada ela escutará nesses momentos. 

haverá fumo e fogo, deslembranças, 
ecos, recordações, nuvens, ruídos, 
outros cortejos tristes, recolhidos, 
ali por perto hão-de brincar crianças 

num jogo descuidado, um grupo vence-o. 
mas fica a minha mãe posta em silêncio. 

4.
agora dorme e vai ficar assim, 
imóvel e coberta. Já regressa 
o carro que avançava tão depressa 
na estrada por que vou e por que vim 

às tantas da manhã, e tresnoitados 
meus irmãos aguardavam-me à chegada, 
sem esperança ou alegria, sem mais nada, 
senão minutos tensos e contados. 

depois os rituais, o respirar 
tão a custo, os membros que se arqueiam 
e distendem, e os vultos que rodeiam 
a muda sombra vindo devagar. 

beijei-lhe a fronte e fiz-lhe um leve afago: 
do pouco que levei, tudo o que trago. 

5.
poderá ter morrido, ressuscita 
neste lugar humano, pobre fio 
de água verbal que vai a medo, hesita, 
e teme desmedir-se como um rio. 

e muita coisa nele se derrama, 
dita e não dita, pressentida, densas 
aluviões, emaranhada trama 
de obscuras raízes e presenças. 

virão dias, semanas, meses, anos, 
e os ciclos dos astros indiferentes, 
mover-se-ão na mesma os oceanos 
e as placas que sustentam continentes. 

mola do mundo, o coração aviva 
a chama desta lâmpada votiva. 

Para uma canção de embalar

embalo a minha filha joana que acordou num berreiro. 
a casa está às escuras, vou passando com cuidado 
para não dar encontrões nos móveis, embalo esta menina 
que se calou mas está de olho muito aberto e quer brincar, 
e há um halo de luz parda a coar-se pelas persianas 
e às vezes uns faróis riscando estrias a correrem pelo tecto. 

levo-a bem presa ao colo, toda de porcelana pesadinha, 
enquanto a irmã está a dormir meio atravessada nos lençóis. 
ao chegar-me a outra janela vejo as luzes fugindo na auto-estrada 
em direcção ao rio, a uma placa da lua sobre o rio, 
e trauteio «já gostava de te ve-er», enquanto acendo o fogão 
para aquecer o leite e embalo a minha filha e a outra está a dormir. 

oxalá cresçam ambas airosas e bem seguras, 
e possam ir na vida serenamente como os rios correm, 
ou como os veleiros voam, ou como elas agora respiram 
em cadências regulares neste silêncio táctil. 
a meio da noite um homem acordou no sossego da casa 
e pôs-se a cuidar do sono das suas filhas pequenas. 

oxalá haja fadas benfazejas esvoaçando das histórias 
de princesas felizes e potros azul turquesa, e forrem esta casa, 
e pelas malvadas bruxas alegres sinos dobrem, 
e estas meninas existam incólumes e puras no seu quente contentamento, 
mesmo que o mundo vá girando numa ordem sobressaltada, 
mesmo que os mares agonizem nos seus gonzos de chumbo. 

lá fora os carros passam, ainda não é a manhã, só alta madrugada, 
mas passam alguns carros, deve estar frio. e há passos no andar de cima 
a minha filha teresa tosse e volta-se na cama, a minha mulher dorme, 
mas a joana ainda não adormeceu e presta a maior atenção 
e mexe-me na cara quando eu chego outra vez a «inda mal abria os olhos», 
já ouviu esta toada umas centenas de vezes e passa a mão pelo meu queixo 

e aconchega a cabeça e as pálpebras começam a baixar-lhe 
muito devagarinho e a pequenina mão abandona-se na gola do meu pijama 
e há que dar ainda uns passos para cá e para lá, 
a cantar uma sombra de modinha, para ela ficar bem adormecida, 
e como da irmã, quando a irmã tinha esta idade, eu digo 
que sei muito desta menina, e sei. e vou deitá-la outra vez. 
Escritor, poeta e tradutor português, natural do Porto. Licenciado em Direito, actividade que chegou a exercer, foi secretário de estado da Segurança Social do IV Governo Provisório e secretário de estado dos Retornados do VI Governo Provisório. Nomeado director de programas da RTP, em 1978, nesse mesmo ano passou à Imprensa Nacional-Casa da Moeda, cuja área editorial administrou até 1988. Entre 1988 e 1995 foi presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. É autor de obras de ensaio, poesia, romance, e ainda de traduções. Paralelamente, tem desenvolvido uma ampla intervenção pública como comentador e analista político. A sua obra iniciou-se em 1963, com o título Modo Mudando, a que se seguiram O Mês de Dezembro (1977), Instrumentos para a Melancolia (1980), A Variação dos Semestres deste Ano; 365 Versos (1981), Nó Cego, o regresso (1982), Os Rostos Comunicantes (1984), A Sombra das Figuras (1985), A Furiosa Paixão pelo Tangível (1987), O Concerto Campestre (1993), Sonetos Familiares (1994), Poemas Escolhidos 1963-1995 (1996), Poemas com Pessoas (1997), Uma Carta no Inverno (1997, prémio de Poesia APE/CTT de 1997) e Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas (1998). Entre os seus ensaios encontram-se David Mourão-Ferreira ou a Mestria de Eros (1978), Camões e a Divina Proporção (1985), Os Penhascos e a Serpente e Outros Ensaios Camonianos (1987), Várias Vozes (1987), Retrato de Isabel e Outras Tentativas (1994) e Contra Bernardo Soares e Outras Observações (1999). Na sua vasta obra encontramos igualmente obras de ficção, entre as quais Quatro Últimas Canções (1987), Naufrágio de Sepúlveda (1988), Partida de Sofonista às Seis e Doze da Manhã (1993) e A Morte de Ninguém (1998). Vasco Graça Moura escreveu ainda uma peça de teatro (Ronda dos Meninos Expostos, 1987), um diário (As Circunstâncias Vividas, 1995) e as crónicas de Papéis de Jornal (1995). Distinguindo-se publicamente como tradutor, amplamente consagrado, as suas traduções da Vita Nuova e da Divina Comédia de Dante (1995) mereceram-lhe a atribuição do Prémio Pessoa, em 1995. Em 2000, publica Poesia 1997-2000, seguido do romance Meu Amor, era de Noite (2001)
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10/maio/2021
bessinha
vocês não levam isto a serio... cultura portuguesa, respeitem o camilo castelo branco
10/maio/2021
Jpila
ála a uta da boca chavalo
14/abril/2021
20comer100saberes
esse cavalheiro fodeu-me ...na poesia, digo na poesia mas concretamente na poesia...tantas saudades
20/janeiro/2021
nenhum
é giro
22/maio/2020
Nuno
Ao tempo que já n te vejo desde Timor um dia destes anda lá a casa mpt
12/março/2020
Mafalda
Adorei a companhia deste senhor, noites mágicas, muito atencioso, um verdadeiro cavalheiro, bem dotado
12/março/2020

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