Hilda Hilst

Hilda Hilst

Hilda Hilst foi uma poeta, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. É considerada pela crítica especializada como uma das maiores escritoras em língua portuguesa do século XX.

1930-04-21 Jaú, São Paulo, Brasil
2004-02-04 Campinas
40236
8
19


Prémios e Movimentos

Jabuti 1984

Alguns Poemas

Trecho de Qadós (1973)

Difícil de explicar, ia dizendo aos borbotões que essas coisas senhora são para fazer uma limpeza na minha alma devo começar por aí não sei se a senhora entende mas o branco é demais importante para começar as orações e acendendo as velas fica visível para a Excelência que sou eu mesmo que me acendo, matéria de amor etc. etc. A maioria revirava os olhos, torcia a boca, umas coçavam os cotovelos, a cintura, diziam: homem, se queres comida eu entendo mas não tenho, o resto é confusão, despacha-te. Às vezes davam-me panos pretos, ou alaranjados ou com listas ou vermelho com florzinhas, nunca o branco, Excelência, e como último recurso para conseguir os círios eu entrava numa loja aos solavancos, o olho girassol e gritava: duas velas por favor, a mãe agoniza, em nome do vosso nosso Deus duas velas para as duas mãos de mamãe. E saía como o raio, como o cão danado, como Tu mesmo que te evolas quando Te procuro, ai Sacrossanto por que me enganaste repetindo: hic est filius meus dilectos, in quo mihi bene complacui? Nudez e pobreza, humildade e mortificação, muito bem, Grande Obscuro, e alegria, é o que dizem os textos, humilde e mortificado tenho sido, mas alegre, mas alegre como posso? Se continuas a dar voltas à minha frente, estou quase chegando e já não estás e de repente Te ouço, bramindo: mata o rei, Qadós, o inteiro de carne e de pergunta, pára de andar atrás de mim como um filho imbecil. Como queres que eu não pergunte se tudo se faz pergunta? Como queres o meu ser humilde e mortificado se antes, muito antes do meu reconhecimento em humildade e mortificação, Tu mesmo e os outros me obrigam a ser humilde e mortificado? Como queres que eu me proponha ser alguma coisa se a Tua voracidade Tua garganta de fogo já engoliu o melhor de mim e cuspiu as escórias, um amontoado de vazios, um nada vidrilhado, um broche de rameira diante de Ti, dentro de mim? E as gentes, Máscara do Nojo, como pensas que é possível viver entre as gentes e Te esquecer? O som sempre rugido da garganta, as mãos sempre fechadas, se pedes com brandura no meio da noite que te indiquem o caminho roubam-te tudo, te assaltam, e se não pedes te perseguem, se ficas parado te empurram mais para frente, pensas que vais a caminho da água, que todos vão, que mais adiante refrescarás pelo menos os pés e ali não há nada, apenas se comprimem um instante, bocejam, grunhem, olham ao redor, depois saem em disparada. Andei no meio desses loucos, fiz um manto dos retalhos que me deram, alguns livros embaixo do braço, e se via alguém mais louco do que os outros, mais aflito, abria um dos livros ao acaso, depois deixava o vento virar as folhas e aguardava. O vento parou, eis o recado para o outro: sê fiel a ti mesmo e um dia serás livre. Prendem-me. Uma série de perguntas: qual é teu nome? Qadós. Qa o quê? Qadós. Qadós de quê? Isso já é bem difícil. Digo: sempre fui só Qadós. Profissão. Não tenho não senhor, só procuro e penso. Procura e pensa o quê? Procuro uma maneira sábia de me pensar. Fora com ele, é louco, não é da nossa alçada, que se afaste da cidade, que não importune os cidadãos. Sou quase sempre esse, matéria de vileza e confusão para os outros, para os Teus olhos um nada que te persegue, um nada que se agarra às tuas babas, e como é difícil te perseguir, nem o rasto, nem a estria brilhante (aquela que os caracóis deixam depois da chuva) eu vejo, pois é pois é, seria fácil para o teu inteiro gosma e fereza, o teu inteiro amoldável, me dar umas pequeninas alegrias e te mostrares um dia Grande Caracol baboso aguado brilhante, te mostrares um dia intimidade, vê Cão de Pedra, agora não sei, fui íntimo para um uma ou dois, nem me lembro, e a princípio como me trataram bem, cuidado na fala, langor no olhar, a minha palavra era véu dourado que pouco a pouco pousava, translúcido, luminosidade delicada, eu Qadós falava e o espaço era pérola, leite fresco, pistilo, um ou três relinchos para aquecer ainda mais tanta mornura, sorriam, lábio frouxo encantado, gula de me possuir inteiro, se era mulher ela me dizia isso mesmo gula de te possuir inteiro, Qadós, se era homem também, aí eu me escondia, dias e dias sobre Plotino, outros dias apenas flutuava sobre o verde dos parques, de longe me seguiam, eu de névoa transfixado, melindre dissolvência, Qadós O Inteiro Desejado.
Hilda Hilst (Jaú SP 1930) formou-se em direito na Universidade de São Paulo – USP, em 1948. Em 1950 foi lançado seu primeiro livro de poesia, Presságio. Na década de 1960 produziu oito textos para teatro; sua peça O Verdugo ganhou o Prêmio Anchieta de Teatro, em 1969. Entre 1970 e 1993 publicou dez livros de ficção, entre os quais Ficções, que ganhou o prêmio de melhor livro do ano (ficção) em 1977, concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. Na década de 1990 foi cronista do jornal Correio Popular, de Campinas SP. Em 1984 foi laureada com o Prêmio Jabuti de Poesia, para o livro Cantares de Perda e Predileção (1983). É autora de extensa obra poética, que inclui os livros Baladas de Alzira (1951), Sete Cantos do Poeta para o Anjo (1962), Da Morte. Odes Mínimas (1980), Bufólicas (1992) e Do Amor (1999). A poesia de Hilda Hilst geralmente é filiada à terceira geração do Modernismo. No entanto, segundo o crítico Léo Gilson Ribeiro, "Hilda Hilst mantém a singularidade de se ter mantido incólume a todos os modismos que marcaram a nossa poesia a partir de 1922".
Hilda Hilst nasceu em Jaú, São Paulo, em 1930. Estudou direito no Largo São Francisco, na Universidade de São Paulo e publicou o primeiro livro em 1950. Ainda que seus primeiros trabalhos tenham chamado a atenção de um crítico como Sérgio Buarque de Holanda, ela passaria a reunir sua obra poética a partir do volumeRoteiro do silêncio, de 1959. Entre seus trabalhos poéticos mais conhecidos, podemos mencionar os volumesTrovas de muito amor para um amado senhor (1961),Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974),Da Morte. Odes mínimas (1980) eCantares do Sem Nome e de Partidas (1995).
 
 
 Foi ao fim da década de 60 e início da década de 70, no entanto, que Hilda Hilst transformou-se na escritora plural e versátil que faria dela uma das figuras mais produtivas da literatura brasileira das últimas décadas. Em dois anos, entre 1967 e 69, ela produz seus textos para o teatro. Em 1970, publica o primeiro trabalho em prosa, intituladoFluxo-Floema, que seria seguido por aquele que é um dos livros mais assombrosos do pós-guerra:Qadós (1973), além de A obscena senhora D (1982) eCom meus olhos de cão e outras novelas (1986).
 
 Já se escreveu algumas vezes sobre uma possível separação contraditória que alguns sentem entre sua prosa e sua poesia, cada qual apontando para tradições aparentemente distintas. Hilda Hilst costumava citar o senhor Caio ValérioCatulo (84 a.C. - 54 a.C.) como uma de suas principais referências poéticas. Quando se tratava da prosa, Hilst citava Samuel Beckett (1906 - 1989). Talvez os críticos que vêem esta aparente "contradição" entre sua poesia, muitas vezes classicizante, e sua prosa altamente experimental, deixem-se levar em demasiado pela "distância temporal" entre suas referências.
 
 
 Catulo, entre os chamados "poetas novos", privilegiava uma linguagem direta, e havia nele, a meu ver, uma alta consciência das limitações do ser humano, uma tentativa de aceitação de sua carnalidade e mortalidade, uma recusa da sublimação metafísica. Isto não estaria muito distante, talvez, do projeto de escritores "modernos" (o próprio Catulo foi assim chamado) como Samuel Beckett, milênios depois. Tanto Catulo como Beckett demonstravam suspeitar de grandiosidades metafísicas que, por ignorarem muitas vezes estas limitações carnais e mortais humanas, a eles pareciam falácias, ilusões que eles não se cansariam de satirizar.
 
 
 Gosto de pensar no trabalho de Hilda Hilst como um instante sutil de apagamento das fronteiras entre os gêneros literários. É claro que isso não ocorre em todos os seus textos. Mas seu trânsito entre gêneros nos romances é muito patente. Se o poeta é aquele que apresenta completa consciência da materialidade da linguagem, podemos sentir tal fator em todos os textos de Hilda Hilst, tanto os que apresentam quebras-de-linha (sendo assim chamados de poemas) ou os que se expandem em linhas até a margem direita da página, sendo chamados de textos em prosa. Ao mesmo tempo, se a poesia de Hilda Hilst apresenta uma limpidez sintática que a aproxima da prosa, sua prosa lança mão de uma densidade semântica que geralmente associamos à poesia. Em versos ou em sentenças, a textualidade em Hilda Hilst alcança um alto teor de materialidade linguística. São textos tesos e densos (talvez mais que concretos), como em Catulo e Beckett.
 
 
 E, como Catulo e Beckett, Hilst é uma escritora do riso angustiado. Pois é umaangst/angústia que perpassa toda a obra de Hilda Hilst, na qual a carnalidade e mortalidade humanas são reconhecidas, mas estão longe de serem aceitas.
 
--- Ricardo Domeneck
 
 
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