Raul de Carvalho

Raul de Carvalho

Raul Maria de Carvalho, foi um poeta português. Foi incluído no lote dos 100 melhores poetas do século XX português, por Jorge de Sena e Eduardo Lourenço considerou-o herdeiro de Álvaro de Campos.

1920-09-04 Alvito, Baixo Alentejo
1984-09-03 Porto
60325
1
12


Alguns Poemas

Serenidade És Minha

À Memória de Fernando Pessoa

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla umidade das bocas.

Vem, serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anêmonas, os monstros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.

Vem, serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frêmito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contud
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.

Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.

Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.

Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.

Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.

Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.

Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.

Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!

E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.

Vem, serenidade,
para que se não fale
nem da paz nem da guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.

Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua,
com as nuvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.

Vem com as meretrizes que chamam da janela,
o volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.

Vem, serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.

Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
o corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.

Vem, serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vicio de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.

Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
o papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.

Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais úmida que a pele marítima do cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu vôo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.

Vem, serenidade,
para perto de mim e para nunca.

.......................................................

De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma nuvem que aumenta a vã periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu te peço como quem pede amor:
Vem, serenidade!

Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!

Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!

Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.

Vem, serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.

Vem, serenidade,
leva-me num vagão de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.

Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.

A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à policia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade,
Vem, serenidade,
e leva-me contigo.
Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmônio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.

Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.

Serenidade, eu rezo:
Acorda minha Mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.

Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.

Vem, serenidade,
e absolve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.

E recorda comigo o barulho das ondas,
mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da índia imaginada,
o espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.

E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exata
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome.
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retráteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Vem, com teu frio de esquecimento,
com tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!

Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.

Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente,
Serenidade, és minha.
Poeta português, natural do Alvito. Foi colaborador das revistas Távola Redonda e Árvore e Cadernos de Poesia, que, na década de 50, conglomeravam de forma irregular, mas activa, poetas de várias sensibilidades. A obra deste poeta, onde se encontram evocações da sua infância alentejana, revela a sua ligação ao neo-realismo. A fidelidade ao humano e o estilo enumerativo e anafórico são marcas da sua poesia. Os seus títulos englobam As Sombras e as Vozes (1949), Poesia, (1955), Mesa de Solidão (1955), Parágrafos (1956), Versos - Poesia II (1958), A Aliança (1958), Talvez Infância (1968), Realidade Branca (1968), Tautologias (1968), Poemas Inactuais (1971), Duplo Olhar (1978), Um e o Mesmo Livro (1984) e Obras de Raul de Carvalho — I — Obra Publicada em Livro (editada postumamente em 1993). Recebeu, em 1956, o Prémio Simón Bolívar, do concurso internacional de poesia realizado em Siena, Itália.
- -
Raul de Carvalho :: Serenidade és minha / Por Mário Viegas
Mário Viegas fala do poeta Raul de Carvalho
Coração Sem Imagens | Poema de Raul de Carvalho com narração de Mundo Dos Poemas
Raul de Carvalho Serenidade és minha Por Mário Viegas
Raul de Carvalho.mp4
JOSÉ MARIA ALVES - RAUL DE CARVALHO - CANÇÃO BURGUESA
Raul de Carvalho - Testemunho - Matrix Financeira
"Coração sem imagens" de Raul de Carvalho
Raul de Carvalho + Coro e Orquestra - Marcha dos Marinheiros (do filme «Bocage»)
Poema de Raul de Carvalho
Coração Sem Imagens, de Raul de Carvalho
"TABERNA" de raul de carvalho
Nuno Miguel Henriques diz poema «Canção Burguesa» de Raul de Carvalho
"Serenidade És Minha" - De: Raul De Carvalho - Por: Mário Viegas
Sangue Violento, de Raul de Carvalho
Bairro Raul de Carvalho
Raul Carvalho feat Gerê de Sousa - Alive (Hillsong)
LEANDRO BORGES - "O Silencio de Deus" | VOVÔ RAUL GIL
Raúl Maria de Carvalho | Mário Viegas | vem serenidade
Raul Araújo: “Democracia não existe onde a liberdade é ceifada” | LINHA DE FRENTE
BELINHA FOI CANTAR NA TV SBT - PROGRAMA RAUL GIL - BASTIDORES
Raul Araújo faz voto forçado e absolutamente equivocado para absolver Bolsonaro, diz Maierovitch
Cármen Lúcia interrompe voto de Raul Araújo | LIVE CNN
"Mudança de Residência" - Raul de Carvalho
GIOVANNA IWATA - "Diva que você quer copiar" | FUNKEIRINHOS | RAUL GIL
GUSTAVO SOUZA FAZ JURADA CHORAR COM A MÚSICA "Minha Vez" | VOVÔ RAUL GIL
Coração sem imagens Raul de Carvalho
JOELITON ALMEIDA SURPREENDE JURADOS COM CANÇÃO GOSPEL DE REBECA CARVALHO VOVÔ RAUL GIL
Raul Seixas - Medo da Chuva
SAMUEL TAYRONE FEZ MÁGICA COM SUA VOZ! "Aleluia" | VOVÔ RAUL GIL
RICK VALLEN SURPREENDE TODOS NO SHADOW BRASIL | RAUL GIL
Raul seixas Cowboy fora da lei
RICKY VALLEN DA SHOW MAIS UMA VEZ! "Dona Cila" | VOVÔ RAUL GIL
Julgamento no TSE: Raul Araújo vota pela absolvição de Bolsonaro e contra inelegibilidade
TEKILA | COREOGRAFÍA EXPORTO BRASIL DANCE CON BRENDA CARVALHO, RAUL ROMERO Y PEDRO IBÁÑEZ
Record 70 Anos: ícone da televisão brasileira, Raul Gil relembra suas histórias na emissora
Arquivo do Raul: Altemar Dutra, Beth Carvalho e Francis Hime
Raul & Melisa // Goan Konkani Wedding Special New Song // by Mark Revlon
28 Raul Solnado História da minha vida
YO QUIERO BAILAR | COREOGRAFÍA EXPORTO BRASIL DANCE CON BRENDA CARVALHO, RAUL ROMERO Y PEDRO IBÁÑEZ
Brasileiro se diverte com RAUL SOLNADO - TÁ LÁ É O INIMIGO?
MASTER KIDS CANTADO E DANÇANDO BABY SHARK -Sing and Dance (Raul Gil)
Giro das Onze: Raul vota com Bolsonaro, com Zé de Abreu, Jeferson Miola e Miguel Paiva
MC KEVIN - "Veracruz" | PROGRAMA RAUL GIL
Cassiane no Raul Gil - Parte 7 HD
Sonda me, Usa me Jotta A Programa Raul Gil
GIULIA CARVALHO e SCHEILA CARVALHO - Devagarinho (Programa Raul Gil)
Raul Tabajara e Paulo Machado de Carvalho
Sarah Beatriz - O maior vilão sou eu (Ao Vivo) | Troféu Gerando Salvação 2019
DANÇA DA MÃOZINHA | COREOGRAFÍA EXPORTO BRASIL DANCE CON BRENDA CARVALHO, RAUL ROMERO Y PEDRO IBÁÑEZ

Quem Gosta

Seguidores