Himalayanpanda

Himalayanpanda

Sou um Nepalês, mas moro no Bahia, Brasil há 12 anos. Sou estudante de antropologia e gosto muito de ler literatura variada, desde literatura até ciências. Ocasionalmente, também escrevo na minha língua materna, que não está listada no Google Tradutor. Alguns dos meus escritos já foram publicados. Estou aprendendo português (BR).

1967-07-30 Nepal
516
0
0


Alguns Poemas

Fantasma no Gene (Conto)

-Ranjan Lekhy 

Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil 

Segunda-feira, 25 de agosto de 2025
Por Ranjan & Prof. Nubia Modolon
 

 

Homenagem à Professora no Céu 

        A Dra. Kamala Tharu encostou a testa na janela oval do voo 129 da Qatar Airways, sua respiração embaçava o policarbonato transparente. Abaixo, nuvens que pareciam tufos de algodão se dispersavam lentamente. Além desse vasto horizonte, estava Milão — uma cidade de moda, ciência e novos começos. Ela estava indo para lá para estudar Medicina, especializar-se em Medicina Genômica, para aprender técnicas avançadas como Edição de Bases (Adenina e Citosina) e CRISPR-Cas9. Era um fato inacreditável que Kamala, uma adolescente de uma família marcada pela pobreza crônica e superstição, estava agora a caminho de se tornar uma especialista em medicina genômica. 

        O sinal do cinto de segurança acendeu. Ela colocou seu jaleco branco no colo — não por estar frio, mas por hábito. Aquele jaleco carregava o peso silencioso de todo o seu sofrimento passado, rebeldia, ciência e fé. Era um símbolo: o véu branco de um fantasma assustador, o véu branco da morte e o avental vivificante da ciência. 

Ela fechou os olhos. 

         O zumbido do motor da aeronave e a forte turbulência se transformaram no som e nos solavancos de uma carroça de bois da vila de Hekuli, transportando-a de volta ao momento em que estava semi-inconsciente, sendo levada ao hospital em Tulsipur. Ela se lembrava do calor e da poeira do Terai. A memória de buscar lenha na selva e, então, a árvore de Jamun — carregada de frutos, mas silenciosa e ameaçadora, um símbolo de medo.          Lembranças de desmaiar com febre alta ali, e a dor implacável e excruciante que nenhum mantra de xamã conseguia aliviar. Os rituais profundos do Guruba, os sacrifícios encharcados de sangue, mas a doença de Kamala tinha um nome — Anemia Falciforme, um fantasma no gene que outrora foi protetor, mas agora se tornara predador, atormentando toda a comunidade. 

        O avião, cortando as nuvens, agora sobrevoava o Mar Mediterrâneo, na Europa. Luzes distantes começaram a aparecer. Não havia medo no coração de Kamala — apenas uma profunda confiança. E essa confiança foi dada por ninguém menos que sua amada professora, eternamente memorável, cujas palavras gentis eram como uma oração matinal: Gurumaa — Guru, o doador de conhecimento, e Maa, a força materna. Alta, clara, destemida, cheia de amor e dever, uma encarnação de Saraswati: Srta. Meena Rajaure. Kamala inclinou a cabeça, colocando a mão levemente no peito — não um mantra, apenas a lembrança de virtudes infinitas. Sua homenagem silenciosa à sua Gurumaa espalhou-se dentro da cabine pressurizada do avião como o perfume de madeira de agar. 

         Kamala não era mais aquela garotinha que fazia perguntas; ela era agora uma ponte — entre superstição e ciência, entre tradição e tecnologia, entre o passado e o futuro. 

       O voo seguia em direção ao futuro. Mas, para conhecer a história completa da Dra. Kamala, é preciso voltar treze anos, para uma vila Tharu comum chamada Hekuli, no vale de Dang.

Capítulo 1: A Adolescente Talentosa

          Vale de Dang, no oeste do Nepal, o lendário reino do Rei Tharu Dangisharan. A vila de Hekuli, aninhada entre colinas arborizadas e um rio, envolta em névoa. Lá vivia uma adolescente de quinze anos chamada Kamala. Sua inteligência era afiada como uma faca e sua consciência clara como o sol nascendo no céu. Sua curiosidade era como um rio — incansável, fluindo rápido e profundo, sempre buscando saber até onde suas profundezas iam. Naquela escola da vila, com paredes quebradas e telhado de zinco, Kamala era nada menos que uma benção. Ela resolvia equações algébricas com facilidade, desvendava instantaneamente axiomas geométricos com lógica, memorizava as propriedades de todos os elementos da tabela periódica como um poema e fazia perguntas que deixavam os professores pensativos. 

        Sua professora de ciências, Srta. Meena Rajaure, tinha quarenta anos e era cheia de zelo pelo conhecimento. Ela havia ensinado centenas de alunos, mas Kamala era diferente. Durante uma aula sobre fotossíntese, Kamala perguntou: “Se a clorofila é verde, por que as folhas de ácer (Maple) ficam vermelhas no outono no Canadá?” A Srta. Meena Rijaure ficou momentaneamente atônita, depois riu e prometeu responder no dia seguinte. Na manhã seguinte, Kamala trouxe diagramas coloridos de antocianinas, explicando por que as folhas de ácer (Maple) mudam de cor no outono. Sua explicação foi tão clara que até o diretor, que ouvia, aplaudiu. 

        “No futuro,” previu a Srta. Meena Rajaure entusiasticamente aos colegas, “Kamala certamente usará jaleco branco e mudará o mundo.” 

       Mas Hekuli era um mundo de pobreza crônica, sons misteriosos e sombras escuras. Os pais de Kamala, o pai Mangala Tharu e a mãe Durgi, eram gentis, mas presos à superstição. Durgi era analfabeta. Mangala estudara até a oitava série na mesma vila. Como a maioria dos Tharus, eles acreditavam em divindades da floresta, espíritos ancestrais, fantasmas, bruxas e feiticeiros. 

         Na fronteira da vila, havia uma grande árvore de Jamun, carregada de frutos na estação, mas as pessoas tinham medo de colhê-los. As idosas da vila diziam que uma Chudail (bruxa) vivia naquela árvore e proibiam seus netos de irem lá após o meio-dia. 

            Kamala via as árvores apenas como árvores, considerando as crenças em fantasmas e espíritos como mera superstição. Seu coração batia pela ciência: hipótese, experimento, fatos e conclusões lógicas. Mas a vila era como o Satyug (Era de Ouro), firme em seus costumes, como diz um velho ditado em língua Tharu: ‘Hardi na chhode gardi sukathi na chhore gandh’ (O açafrão não abandona seu pó amarelado, o peixe seco não abandona seu cheiro) — significando ser firme em sua posição, não abandonar seu ritmo.

Capítulo 2: O Ataque Súbito 

           Era o mês de Asaar (junho-julho). Havia algumas nuvens no céu azul, flutuando de nordeste a sudoeste. Ainda não havia sinal de chuvas, apesar da estação de monções. Faltavam cerca de três horas para o pôr do sol; a vila de Hekuli e seus arredores estavam pintados de dourado. Naquele dia, um sábado de feriado, Kamala foi com três amigas à selva para buscar lenha. Ao voltar com a carga de madeira, suas sandálias quebradas faziam um som de batida, e suas pernas estavam empoeiradas. O calor a deixou com sede e fome. Ao ver a árvore de Jamun um pouco fora do caminho, ela disse de repente: “Vamos, pessoal, vamos sentar sobre a árvore de Jamun, está muito quente.” 

         Os avisos das idosas ecoaram em sua mente, mas ela os ignorou. Perto dali, alguns meninos Gaivār (pastores) pastoreavam búfalos e vacas, rindo e brincando. Encorajando suas amigas, ela disse: “Os Gaivārs estão bem aqui, o que há para temer?” As três colocaram suas cargas sob a árvore de Jamun para descansar. A árvore proporcionava uma sombra fresca, aliviando o calor. Os galhos estavam carregados de cachos de frutos Jamun, mas ninguém os comia. Onde estavam todos os pássaros? As três começaram a colher Jamuns com um graveto leve. Em cinco minutos, suas cestas estavam cheias de Jamuns. Movidas pela fome e sede, começaram a comê-los; eram muito doces e suculentos. Pensando que seus pais ficariam muito felizes, ela começou a adicionar o graveto à carga de madeira. 

        De repente, uma dor aguda começou no peito de Kamala, como se alguém estivesse apertando seu coração por dentro. Sua respiração ficou presa, seus olhos ficaram amarelados, e sua visão embaçou. Suas pernas e braços ficaram muito fracos, ela não conseguia se controlar, e todos os Jamuns de sua cesta caíram e se espalharam como bolinhas de gude. Seu corpo caiu no chão com um baque, e a escuridão envolveu seus olhos. 

          Uma garota gritou, quebrando a paz da tarde: “Kamala caiu! Kamala caiu!”  Os meninos Gaivārs vieram correndo. Todos eram da mesma vila. “Temos que contar para a mãe de Kamala,” disse um menino, não mais velho que dez anos, e correu em direção à vila. Ao chegar perto, começou a gritar: “Kamala caiu perto da árvore de Jamun!” 

         A mãe de Kamala, Durgi, veio correndo sem fôlego; em seu pânico, seu sari ficou preso e rasgou em uma cerca de bambu, seu rosto estava pálido de medo. Uma pequena multidão se formou. Kamala estava inconsciente, seus lábios secos, seus membros inchados, sua pele amarelada como icterícia. Seu peito subia e descia levemente, cada respiração uma luta. Durgi se ajoelhou, segurando a mão de sua filha, e começou a orar a Deus silenciosamente. Alguém trouxe uma lôtā (copo com bico de bronze) de água e deu um pouco para Kamala beber. Os jovens fizeram uma maca amarrando um pano firmemente a uma vara de bambu forte nas duas extremidades, colocaram Kamala nela, segurando sua cabeça e pernas, e a carregaram para a vila, trocando os ombros que sustentavam o peso. 

        Eles colocaram um Bhottiya (colchão fino) sobre uma prancha de madeira Sakhuwa no pátio. Colocando um travesseiro ali, deitaram Kamala com cuidado. Toda a vila se reuniu. Uma Dadi (avó) magra e curvada chegou, caminhando com uma bengala, batendo-a no chão. Um menino colocou um banquinho perto e disse: “Dadi, por favor, sente-se neste banquinho.” 

         Durgi sentou-se em outro banquinho e começou a abanar com um leque de bambu. Vendo isso, a Dadi disse: “Por que você está abanando com um leque de bambu? Seu ar é quente, você não sabe? Pegue um leque de folha de palmeira.” “Não temos um leque de folha de palmeira!” disse Durgi. “Tia, temos um leque de folha de palmeira em casa,” disse uma criança e correu para pegá-lo. 

     “Veja, o sangue da nossa criança foi sugado,” disse a Dadi, sentindo o pulso de Kamala. “Parece que a Chudail bebeu todo o sangue da nossa neta.” A velha Dadi disse: “Ó noiva, pega um pouco de óleo de mostarda, aquece com alho amassado, cominho preto e assafétida e traz isso.”

      Um menino disse: “Sim, vampiros também fogem do cheiro de alho, eu vi isso em filmes.” 

    Durgi correu para a cozinha, preparou o óleo quente e começou a aplicá-lo nas pernas de Kamala. 

     “Isso é definitivamente obra de uma Chudail!” disse a velha Dadi, ainda segurando o pulso de Kamala. 

      “Você não sabia que há uma Chudail naquela árvore? Por que deixou as crianças irem lá?” continuou a Dadi, “Não devíamos ter provocado essa Chudail!” Uma onda de medo percorreu a multidão. O coração de Durgi começou a bater forte. Ela ficou atônita. Enquanto isso, Mangala havia retornado para casa. 

      A Dadi disse: “Ei, Mangala, por que você está apenas olhando? Vá buscar pulseiras vermelhas, um bastão vermelho, um tikka vermelho, cachos vermelhos (de flores), fita vermelha, um véu vermelho (chunri) e faça uma oferenda para essa árvore. E ofereça um par de galos vermelhos, peça perdão até amanhã à noite.” 

           Em uma hora, todos os materiais foram reunidos, e dez a quinze meninos foram enviados para fazer a oferenda à árvore de Jamun. Alguns carregavam tochas, outros lanternas, alguns bastões, outros lanças. Lá, na base da árvore, Mangala espalhou água no chão, ofereceu arroz inteiro, pó vermelho (abir), folha de betel, noz de betel, tulsi e flores de Arahul. Ele acendeu um fogo e ofereceu fumaça de incenso. Após oferecer todos os materiais trazidos, ele pediu a ajuda de um menino para sacrificar o par de galos vermelhos, pois o próprio Mangala era Vaisnav, comprometido com a não-violência. Todos os homens pediram perdão por Kamala até a noite seguinte e voltaram sem olhar para trás. 

         A árvore de Jamun ficou perplexa, observando-os partir. Seus galhos pareciam apontar como o dedo de um juiz, como se perguntassem: “Por quê?”. Toda a atmosfera parecia estar prendendo a respiração. Até os próprios espíritos pareciam confusos.

Capítulo 3: Os Cantos do Exorcista Xamã 

       A escuridão envolveu a vila de Hekuli; o medo permeava cada beco, cada casa. Durgi sentou-se na varanda, esperando que sua filha melhorasse. À uma da madrugada, Kamala recuperou a consciência. Durgi ficou exultante. Ela correu para acordar Mangala: “Ei, Munsha (marido), levante-se, nossa filha voltou a si. Preciso fazer sopa. Ela deve estar com fome.” 

      Quando Durgi trouxe a sopa, Mangala sentou-se ao lado de sua filha. Durgi pegou sua filha no colo e começou a alimentá-la com sopa lentamente. Em quarenta e cinco minutos, Kamala só conseguiu tomar metade da sopa. Kamala disse: “Mamãe, não consigo tomar mais, estou cansada, minhas pernas doem.” Durgi deitou Kamala e começou a massagear suas pernas. 

       No dia seguinte, a dor no peito de Kamala diminuiu, mas seus membros estavam inchados e doloridos. Ela caiu novamente ao ir ao banheiro. Todo o seu corpo estava sem sangue. As pessoas disseram que precisavam chamar um Dhami (xamã). 

           Kalaru Guruba era um exorcista xamã muito famoso e poderoso em toda a região. Um homem foi enviado para chamá-lo. Kalaru Guruba era muito influente e tinha grandes exigências na sociedade. Finalmente, ele chegou por volta da meia-noite com dois discípulos. Seu rosto estava manchado de cinzas, ele batia um Dhamphu (tambor) feito de pele de cabra preta, pendurado em seu pescoço, dançando com penas de pavão, espalhando a fumaça de incenso por todos os lados e entoando mantras em uma linguagem alta e incompreensível enquanto entrava no pátio. 

       A casa da família de Kamala era tradicional, sustentada por pilares de madeira dura de Sakhu e as paredes eram feitas de bambu, rebocadas com esterco de vaca e lama, e o telhado era de telhas. Ela estava deitada em um cama de madeira. Uma lamparina de querosene estava acesa perto dela. Alguns vizinhos se levantaram e vieram. 

       Kalaru Guruba aspergiu água de açafrão no corpo de Kamala e começou a entoar mantras de deusas ferozes. A deusa feroz era tanto protetora quanto colérica. “A deusa está zangada,” declarou Kalaru, o xamã, e perguntou a Mangala: “Que voto você fez à deusa feroz que não cumpriu completamente?” Mangala ficou surpreso com a pergunta e olhou para sua mãe. Então Durgi, confusa, disse: “Sim, quando Kamala era pequena e teve febre, fizemos um voto à deusa feroz, de oferecer um par de galos, e nós o oferecemos.” 

      Kalaru Guruba fechou os olhos e começou a entoar mantras. Após dois minutos, quando os abriu, ambos os olhos estavam vermelhos. Então ele se virou para Durgi e disse: “Você está mentindo, você prometeu oferecer não um par de galos, mas um par de cabras pretas.” Dizendo isso, ele espumou pela boca e fechou os olhos novamente. Após um momento, abriu os olhos e ordenou: “Agora, como punição, você deve fazer um ídolo da deusa feroz e oferecer um par de búfalos.” 

        Durgi, com lágrimas escorrendo pelas bochechas, assentiu com a cabeça em um gesto de rendição. Mangala ficou em silêncio segurando a moldura da porta, com os punhos cerrados. Não havia um par de búfalos em casa; havia uma búfala prenha, um par de bois para arar e três cabras para vender e comprar alguns ornamentos de ouro e outros dotes para sua filha. Durgi vinha fazendo arranjos para o casamento de Kamala desde então. Todo ano ela vendia cabras e comprava coisas diferentes como dotes. Se a filha não ia viver, então qual era a necessidade de ornamentos de casamento? Então, eles decidiram vender tanto a búfala prenha quanto as três cabras. 

           Organizar tudo isso levou dois dias. No terceiro dia, Kalaru Guruba e seus dois discípulos cortaram, amassaram e moldaram argila e areia em um galpão de oleiro para preparar o ídolo da deusa feroz. No nono dia, os rituais de adoração começaram de manhã cedo. O som dos tambores Dhamphu e Madal ressoava, leques de penas de pavão balançavam, os aldeões ofereciam arroz, frutas, flores, dinheiro e moedas. Vendo a hora auspiciosa, um par de búfalos foram sacrificados à deusa feroz, o altar de adoração ficou vermelho com sangue. Suas orações e mantras se dissolviam na fumaça de incenso com força. 

         Mas Kamala, em um estado semi-inconsciente, gritava; seu corpo frágil se contorcia de dor. Suas articulações incharam ainda mais, sua pele começou a ficar azul em vez de amarela, mas os mantras ficavam ainda mais altos, abafando os gritos de Kamala. O que a pobre Durgi poderia fazer além de chorar e lamentar? 

“Uma Chudail muito poderosa possuiu Kamala,” gritou Kalaru, o xamã. “Mais oferendas e sacrifícios são necessários.” 

        O coração de Durgi se partiu; toda esperança estava perdida. Ela acariciou a testa ardente de sua filha e começou a orar à deusa, implorando por misericórdia. O ritmo do Dhamphu, a dança das penas do pavão, os cânticos do xamã começavam agora a parecer o som da tristeza. Os aldeões, completamente perplexos, presos entre crença e desespero, retornaram às suas respectivas casas.

Capítulo 4: A Professora de Ciências Meena

            A ausência de Kamala por duas semanas lançou uma sombra sobre a escola. Sua carteira, que antes era um centro de perguntas curiosas, agora parecia deserta. A Srta. Meena Rajaure, com o coração pesado e cheia de suspeitas sobre o evento incomum, perguntou aos colegas de classe de Kamala. As crianças contaram sobre a árvore de Jamun, a Chudail e os rituais intermináveis do xamã. O coração de Meena Rajaure derreteu — ela sabia que a superstição é uma grande doença, que corrompe as mentes de indivíduos e a sociedade e os mata. 

           Ela informou ao diretor, pegou sua bicicleta imediatamente e pedalou pelo caminho empoeirado e irregular para chegar à casa de Kamala. A casa de Kamala não era muito longe da escola, apenas dois quilômetros. 

         Ao ver a cena horrível lá, seu coração afundou. No curral, Mangala e seu sobrinho estavam limpando o pátio onde o ídolo aterrorizante foi estabelecido. Kamala estava deitada em uma cama no pátio, seu rosto sem cor, olhos fundos, mãos e pernas azuladas, articulações secas e duras como bambu. O ar cheirava a incenso, e as penas de pavão do xamã estavam espalhadas, quebradas. 

        Ao ver a Srta. Meena, um sorriso apareceu no rosto de Kamala, e ela tentou cumprimentá-la. Durgi estava lá; ela a cumprimentou esfregando as mãos e disse desanimada: “O Dhami Guruba diz que é uma Chudail—” 

      A Srta. Meena verificou o pulso de Kamala — irregular e fraco. Olhos amarelados, a respiração de Kamala era rápida, sua pele estava ficando azul em vez de amarela, membros inchados. “Chega!” A voz de Meena estalou como um chicote. “Isso não é obra de fantasmas, bruxas ou espíritos. Isso é uma doença. Kamala deve ser levada ao hospital imediatamente, agora, você está me ouvindo!” 

“Os retuais dos Dhami ainda não terminou—” protestou Mangala em voz baixa. 

“Vocês vão matar Kamala,” um vulcão irrompeu nos olhos de Meena. “Eu li sobre Anemia Falciforme. Se vocês amam sua filha, confiem em mim. Sou a professora de ciências de Kamala.” 

          A mente de Durgi vacilou por um momento, entre a fumaça de incenso e a certeza de Meena. Mas, vendo a confiança pela Professora Meena nos olhos de Kamala, ela decidiu imediatamente: “Sim, vamos ao hospital.” 

            Em uma carroça de boi de um vizinho, eles levaram Kamala de Hekuli ao Hospital Provincial de Rapti, em Tulsipur, que ainda ficava a 16 quilômetros de distância. A viagem foi difícil, as rodas do veículo batendo em buracos e solavancos na estrada. Durgi segurava a mão de Kamala, dando-lhe sopa fortalecedora, e chorava silenciosamente. A Srta. Meena Rajaure a confortava, dizendo: “Tenha fé, Kamala. A ciência vai te salvar.” Kamala deu um leve sorriso. 

        A placa do hospital tornou-se claramente visível sob a luz elétrica. A mente de Meena corria. Ela se lembrava de artigos que havia lido sobre a doença falciforme — dor, articulações inchadas, febre genética. Ela encontrou um médico conhecido na ala de emergência. Cumprimentando-o, ela explicou a história de Kamala e a suspeita de doença falciforme e pediu um exame rápido. O Dr. Acharya examinou Kamala imediatamente e disse: “Se tivéssemos chegado um dia depois, Kamala poderia ter morrido devido a uma Crise Vaso-Oclusiva, ou Síndrome Torácica Aguda, ou Derrame.”

Capítulo 5: A Ala de Emergência 

        Kamala foi levada para a ala de emergência. Seu corpo foi coberto com o lençol branco do hospital. As enfermeiras rapidamente tiraram sangue de Kamala com uma seringa e, manuseando cuidadosamente os tubos de ensaio que brilhavam sob a luz fluorescente, levaram-nos ao laboratório para testes. Outra enfermeira imediatamente colocou um oxímetro em seu dedo. Devido aos baixos níveis de oxigênio, após consultar o médico, ela imediatamente a colocou em um ventilador. 

            Os sons de conversa e passos enchiam o Hospital Provincial de Rapti, Tulsipur. Mangala e os aldeões esperavam no corredor do hospital. Durgi e Meena sentaram-se ansiosamente ao lado de Kamala, esperando o relatório. Durgi lembrava-se de sua divindade de clã, e Meena recordava o que havia lido sobre a Anemia Falciforme. 

           O médico conhecido, Dr. Acharya voltou. Seu rosto era gentil, mas sério. Ele carregava um arquivo com uma prancheta cheia de muitas páginas. Ele disse: “Srta. Meena, você está correta. Kamala tem Anemia Falciforme. Se tivéssemos chegado um dia depois, Kamala teria sido perdida.” 

       Virando-se para Durgi em voz suave, ele disse: “Este é um distúrbio genético. As células sanguíneas de Kamala têm a forma de foices ou lua crescente. Quando essas células sanguíneas imperfeitas ficam presas nos vasos sanguíneos, causam dor e deficiência de oxigênio.” 

Os olhos de Durgi se arregalaram de medo: “A maldição da deusa feroz?” 

“Não,” disse Meena com firmeza, “Esta é uma doença hereditária. Não é sua culpa, apenas é necessário o tratamento médico adequado.” 

         O Dr. Acharya concordou com a Srta. Meena Rajaure e disse: “Vamos começar com Hidroxiureia, que reduz as crises falciformes, comprimidos de Ácido Fólico, que produzem células sanguíneas saudáveis, e para o manejo da dor, daremos Morfina por enquanto (os médicos evitam dar Morfina para crianças menores de 16 anos, mas aqui era necessário). Para casos graves, pode-se fazer transplante de Células-Tronco ou Medula Óssea, que interrompe a produção de células sanguíneas defeituosas e produz células sanguíneas saudáveis, mas é uma tecnologia arriscada e cara, e o problema é que essa tecnologia não está disponível no Nepal.” 

         Durgi sentiu-se feliz e triste ao mesmo tempo. Meena entendeu o que estava na mente de Durgi; segurando sua mão, ela a confortou, dizendo: “Vamos gerenciar as doses de medicamentos, hidratação e cuidados. Não se preocupe! Kamala pode viver uma vida longa, mas são necessários check-ups regulares.” 

         O Dr. Acharya acrescentou: “O manejo da dor é muito importante. Gatilhos para crises falciformes como calor ou frio extremos, trabalho físico muito pesado, desidratação e estresse devem ser evitados. Vamos ensiná-los tudo em detalhes gradualmente.” 

            Embora Durgi não entendesse completamente tudo o que ambos disseram, sentindo as palavras de esperança, sua mente ficou mais leve e um sentimento de esperança surgiu em seu coração. Os olhos de Kamala se abriram; ela estava ouvindo a conversa de Meena e do médico em seu estado semi-inconsciente. Sua vontade de viver e esperança cresceram mais fortes. 

              Eram agora nove da noite. Ela chamou um irmão motociclista que morava em Tulsipur para levá-la para casa; o ensino na escola não podia ser negligenciado. Mas ela disse que voltaria para ver Kamala no dia seguinte de manhã.

Capítulo 6: O Segredo da Linhagem            

             No terceiro dia, inesperadamente, o primo materno de Mangala, Ayodhyasingh Tharu, que era algum tipo de supervisor, veio ver sua sobrinha Kamala. Todos estavam sentados ao lado de Kamala, conversando em voz baixa. Então, a conselheira genética Dra. Anoma Shrestha chegou com a Srta. Meena, carregando um laptop. Todos se levantaram e cumprimentaram ambas. Elas retribuíram os cumprimentos e sentaram-se na frente de Durgi, Mangala e Ayodhya. “Poderíamos ter essa discussão no meu consultório, mas, por conselho da Srta. Meena, queremos que Kamala também saiba disso. Afinal, Kamala tem que lutar contra essa doença,” disse a Dra. Anoma Shrestha. Todos ficaram em silêncio e assentiram em concordância. 

               Nestes dois dias, a saúde de Kamala havia melhorado muito. Ela conseguia sentar-se. A Dra. Shrestha virou-se para Kamala, abriu seu laptop e, mostrando diagramas de células humanas e DNA, começou a explicar: “Somos feitos de células visíveis ao olho. Um homem de sessenta e cinco quilos tem cerca de trinta e seis trilhões de células. Essas células têm várias formas e tamanhos. Cada célula tem três partes principais como um ovo: membrana, plasma e núcleo. O plasma tem mitocôndrias que contêm DNA Mitocondrial ou Mt DNA, que vem apenas da mãe. Portanto, é chamado de fonte do poder materno. O núcleo contém vinte e três pares de cromossomos. Dentre eles, vinte e dois pares são genes autossômicos ou linhagem, e um par é XX ou XY. Ou seja, uma menina tem vinte e dois pares de genes autossômicos mais um par de XX, e um menino tem vinte e dois pares de genes autossômicos mais um par de XY.” 

          Durgi disse timidamente, em um sussurro: “Nossa, não entendo nada.” 

         A Dra. Shrestha sorriu e disse: “Tudo bem, Kamala, você entende, certo?” 

             Kamala disse animada: “Sim, Doutora, a Srta. Meena me ensinou a teoria dos genes de Mendel na aula. Os cromossomos X e Y são os genes que determinam o sexo.” 

         “Nossa, Kamala, muito bom, você é muito inteligente,” pausando um pouco, a Dra. Shrestha perguntou: “Você sabe sobre os outros vinte e dois pares autossômicos?” 

Kamala sorriu e indicou que não sabia. 

        “Esses vinte e dois pares de DNA autossômico vêm tanto do pai quanto da mãe para filhos e filhas. Na verdade, os genes que mostram hereditariedade estão aqui. Aqui, qualidades humanas, defeitos, doenças e enfermidades passam de pais para filhos geração após geração. Veja esta imagem!” 

          “A Anemia Falciforme vem em um padrão Autossômico Recessivo,” começou a explicar a Dra. Anoma. “Como seu pai e sua mãe carregam o traço falciforme — um gene mutado cada — é por isso que você teve essa doença.” 

           “Vocês Tharus são povos indígenas do Terai, vivem aqui há milhares de anos. O Terai é um lugar propenso à malária. Então, para se proteger da malária, alguns genes em seus antepassados mutaram há pelo menos cinco mil anos. Algumas populações desenvolveram Talassemia, e outras desenvolveram Anemia Falciforme.” 

          “Cinco mil anos atrás? Meu Deus! Somos descendentes do Senhor Buda?” perguntou Kamala curiosamente. 

           A Dra. Anoma Shrestha sorriu e disse: “Hmm, definitivamente não tenho certeza, mas é possível. Os Shakya e Koliya eram tribos indígenas do Terai, e além dos Tharus, não havia muitos outros antes.” 

          Após uma pausa, a Dra. Anoma Shrestha perguntou a Mangala: “Vocês praticam casamentos entre primos cruzados?” 

             “Não, nunca. Casamos fora de sete gerações, mas casamos dentro da nossa própria comunidade Dangaura Tharu,” respondeu Mangala hesitante. 

              A Dra. Shrestha pensou por um momento e disse: “Parece que, com o aumento da população, a tradição de casamentos entre tio materno-sobrinha e tia paterna-sobrinho terminou. Casamentos entre parentes próximos não apenas aumentam o risco de Anemia Falciforme, mas de qualquer doença genética.” 

“Qual é a solução?” perguntou Ayodhyasingh, que até então estava em silêncio. 

              “Há duas soluções. Primeiro, não se deve casar dentro da própria casta. Se for necessário, então casar com outro grupo. Segundo, se for preciso casar dentro do próprio grupo, antes do casamento, os noivos devem fazer testes de triagem de portadores para descobrir se carregam o traço falciforme ou não,” disse a Dra. Shrestha. Mas ela imediatamente continuou: “Mas o problema é que os testes de triagem são eficazes para uma geração. Essas doenças podem aparecer em qualquer geração, mesmo após sete ou oito gerações. Portanto, uma solução eficaz é fazer casamentos intercastas.” 

              Ouvindo isso, Durgi, Mangala e Ayodhya ficaram boquiabertos. Ayodhya disse: “Não existe algo como sociedade e cultura? Como podemos casar com alguém de outra casta?” 

              Então, a Srta. Meena quebrou o silêncio e disse: “Sim, sociedade e cultura são muito importantes. Eles completam um ser humano. Mas os próprios humanos criam esses dois, que também estão sempre mudando. Assim como se uma peça de carro quebra, uma nova peça é instalada. Da mesma forma, as partes da cultura continuam mudando. As partes boas devem ser mantidas, as partes ruins devem ser descartadas, não carregadas. Se uma pessoa não muda com o tempo, sua existência termina como os dinossauros e Neandertais. O sistema de castas é um fardo social baseado em ego e ilusão; não tem base científica.” 

              A Dra. Shrestha concordou com a Srta. Meena e mudou de assunto. Mostrando outro slide no laptop, ela disse: “Esta é uma imagem do sangue de Kamala tirada sob um microscópio. Muitas das células sanguíneas de Kamala são como luas incompletas ou foices. Isso causa dor porque elas não conseguem fluir facilmente pelos vasos sanguíneos, o oxigênio não chega onde é necessário.” 

             Kamala olhava o diagrama com muita atenção. De repente, seus olhos brilharam com curiosidade científica: “Não se pode reparar a parte defeituosa do gene?” 

          “Não é possível agora,” sorriu a Dra. Anoma Shrestha, vendo seu pensamento científico, e disse: “Mas os cientistas estão trabalhando nesse campo. Em 2012, alguns cientistas desenvolveram uma tecnologia chamada CRISPR-Cas9, mas ainda está em testes. Até quando esta tecnologia será aprovada e chegará ao Nepal, ainda não se pode dizer nada.” 

Desapontada, Kamala perguntou: “Não há outra maneira?” 

         “Sim, há transplante de Células-Tronco e Medula Óssea, mas o processo é longo e caro,” disse a Dra. Anoma Shrestha de forma reconfortante, “Mas não se preocupe. Podemos gerenciar os sintomas imediatos. Tudo ficará bem. Vamos conversar mais depois.” 

     A Srta. Meena olhou para o relógio e disse: “Nossa, duas horas se passaram. Devo ir para a escola.” 

Tirando algum dinheiro de sua bolsa, ela entregou a Mangala e disse: “São quinze mil rúpias, dos professores e alunos da escola. Faremos o que mais pudermos.” 

      Acariciando a bochecha de Kamala, a Srta. Meena disse: “Não se preocupe. Tudo ficará bem. A ciência desenvolve-se divagar e constantemente, mas com certeza! Voltarei outro dia.” 

            A Srta. Meena e a Dra. Anoma saíram conversando. Ayodhyasingh também se despediu após alguma conversa. Tanto Mangala quanto Durgi acompanharam Ayodhya até lá fora. Na cama, Kamala fechou os olhos e começou a lembrar do diagrama de DNA, sonhando em dominar a ciência genética e fazer pesquisas.

Capítulo 7: Cura Através da Verdade 

             Kamala teve que ficar no Hospital Provincial de Rapti por um mês e meio. Esse mês e meio foi como uma escola dura e um centro de exames para sua vida. As enfermeiras ensinaram a ela como gerenciar a Anemia Falciforme. Hidroxiureia para reduzir a falcização, Ácido Fólico para aumentar a produção de células sanguíneas. Para o manejo da dor e febre — Paracetamol e, às vezes, Ibuprofeno com muitos líquidos (evitar dar Morfina para crianças menores de 16 anos). Para a dor nas articulações inchadas, aplicar compressa com bolsa de água quente. 

            Uma tabela alimentar balanceada e nutritiva baseada nas tradições Tharu foi solicitada à especialista em nutrição clínica brasileira Dra. Raquel Costa de Oliveira, que estudou os sistemas de nutrição Tharu. A Dra. Raquel preparou a tabela com pelo menos quatro objetivos: 

1. Prevenir e corrigir a deficiência de nutrientes. 

2. Melhorar o sistema imunológico e o sistema circulatório do coração. 

3. Reduzir a inflamação e o estresse oxidativo no corpo. 

4. Promover o desenvolvimento saudável e o crescimento físico de Kamala. 

 

**Plano de Refeições Diárias Nutritivo Baseado na Tradição Tharu (Para Anemia Falciforme)** 

| **Horário** | **Refeição** | **Alimentos Incluídos** | **Benefícios Nutricionais** | 

|-------------|--------------|-------------------------|----------------------------| 

| 🌅 **Café da Manhã** | Água de sattu (farinha de grão-de-bico, água e melaço), 1-2 colheres de chá de pó de moringa, ovo cozido, mamão ou manga | Ferro, Proteína, Ácido Fólico, Vitamina C | 

| 🍵 **Lanche da Manhã** | Sementes de girassol e abóbora torradas ou amêndoas, água com limão, sal e açúcar | Zinco, Vitamina B, Hidratação | 

| 🥘 **Almoço** | Arroz, curry de caracol (alho, açafrão, pimenta), espinafre, mistura de vegetais cozidos de Mausa/Marsha e beterraba, picles de rodela ou pepino (limão e pó de moringa) | Ferro, Fibra, Ácido Fólico, Antioxidantes | 

| 🍉 **Lanche da Tarde** | Iogurte e arroz tufado misturado com pedaços de banana, 1 copo pequeno de suco fresco de beterraba | Probióticos, Vitamina C, Betacaroteno, Fibra | 

| 🌇 **Jantar** | Roti de kodo ou milho, peixe de lagoa assado, curry de abóbora, quiabo e cenoura, dal de lentilha (1-2 colheres de chá de pó de moringa) | Proteína, Ferro, Fibra, Antioxidantes | 

| 🌙 **Bebida antes de Dormir** | Leite morno com 1/4 colher de chá de pó de moringa e açafrão | Sono, Fortalecimento dos ossos, Imunidade | 

 

             Os Tharus usam óleo, sal e especiarias em excesso em seus alimentos. Óleos processados de mercado causam muita inflamação no corpo. Durgi foi ensinada a cozinhar evitando-os completamente. A comida pode ser cozida sem óleo, e uma pequena quantidade de ghee puro de vaca pode ser adicionada por cima. Além disso, manter-se hidratado é muito importante. Beber 8-10 copos de água por dia é necessário. Para reduzir o estresse, foi aconselhado fazer meditação Vipassana, Yoga e pranayama, e ouvir música suave. 

            A Srta. Meena vinha ao hospital para ver Kamala em sua scooter todos os dias após a escola. Sua scooter podia ser vista do lado de fora da ala todos os dias das 17h às 18h. Ela trazia livros sobre ciência genética, jogos intelectuais e histórias de vida de cientistas como Marie Curie, Rosalind Franklin, Barbara McClintock, Gerty Cori, Janaki Ammal — mulheres que vieram de sociedades marginalizadas. 

             “Você não apenas sobreviveu, Kamala,” disse Meena emocionada, “Você está se preparando para ensinar a Hekuli a linguagem da ciência.” 

Kamala disse com determinação: “Quero estudar Medicina, Gurumaa.” 

Foi a primeira vez que Kamala chamou Meena de Gurumaa. 

A Srta. Meena sorriu e disse: “Minhas bênçãos estão sempre com você, Kamala.” 

           Kamala recebeu alta do hospital após um mês e meio. Ela voltou para Hekuli — usando a pulseira do hospital no pulso, como prova de estar viva. Seu corpo ainda estava fraco, mas sua mente retornou carregando a luz do conhecimento, a companheira da conquista científica. 

          Kamala estava agora na nona série. Ela começou a se preparar para seu SLC (Certificado de Saída Escolar). Seu método de estudo não era memorização mecânica, mas tentar entender os conceitos básicos da matéria, debatendo, discutindo. Se surgisse alguma dúvida, ela fazia perguntas aos professores, contraperguntas. Vendo a fome de conhecimento de Kamala, os professores ajudavam de todas as maneiras possíveis. Afinal, o conhecimento é como a espada de Manjushri, que corta camada após camada de ignorância. Mas, se essa espada não for usada, ela enferruja, fica cega. 

             Além dos estudos, Kamala começou a discutir com o chefe da vila e os anciãos aos sábados, carregando panfletos e folhetos sobre a doença falciforme. Ela começou a conscientizar contando sua própria história e experiência, o que médicos e enfermeiras ensinaram no hospital, e o que ela havia estudado. 

          “Podemos salvar nossos filhos através de exames de sangue,” insistia Kamala, explicando a herança autossômica recessiva com mapas e gráficos. 

          “Os exames de sangue para os noivos devem ser obrigatórios antes do casamento para que candidatos em potencial para Talassemia e Anemia Falciforme não se casem, como aconteceu com meus pais.” 

Algumas pessoas descartaram isso como bobagem, dizendo: “Então ninguém vai se casar.” 

          Mas o chefe da vila ouviu seriamente e concordou, dizendo: “A ideia de Kamala é muito inteligente. É melhor proteger a colheita antes que o besouro da cana a destrua.” 

          O chefe da vila fez a triagem genética de seus netos a pedido de Kamala. Descobriu-se que seu neto também tinha essa doença; era necessário ser cauteloso a partir de agora. Melhorar a dieta e a nutrição era necessário. Então Kamala tornou público seu plano alimentar. Ela ensinou o que é uma dieta balanceada, como cozinhar alimentos nutritivos, como cozinhar sem óleo e com menos sal, como comida processada e junk food de mercado é veneno. 

          Ela criou uma canção de conscientização na língua Tharu e começou a cantá-la com suas amigas: 

 

Faça o teste de sangue, salve sua vida.

Infância salva, sociedade salva, ninguém nunca chora.

Talassemia, doença falciforme, consome o corpo por dentro,

Saiba antes, evite a dor do arrependimento.

Faça o teste na infância, antes do casamento,

Viva sabiamente e disciplinado, mantenha as doenças afastadas.

Reduza óleo e sal, melhore sua culinária,

Deixe o álcool, deixe os doces, então a vida será doce.

Coma vegetais, mantenha caracóis/Situwa (peixes pequenos) no prato,

Ame a vida, não apenas o sabor, isso é o que importa.

Deixe Chyau-Chyau (macarrão instantâneo), evite pizza-hambúrguer,

Na comida caseira simples, está a luz da saúde.

Lentilhas/arroz, verduras/vegetais, são cheios de nutrição,

As doenças irão embora, nunca se adoecerá.

Comida barata e boa, caro é o estado de doença,

Nim, Moringa, grãos frescos — esses são ótimos.

Olhe para a saúde, não para o dinheiro, ame sua vida,

Salve as vilas/casas Tharu, quando você pensar certo.

Filhos/filhas, mulheres/homens, faça todos entenderem,

Faça o teste de sangue, salve das doenças.

Espalhe a mensagem de saúde, agora de vila em vila,

A terra Tharu brilhou, quando a lâmpada do conhecimento foi acesa.

Faça o teste — Salve a vida!

Coma bem — Expulse a doença!

Sociedade Tharu — Sociedade saudável!

 

Capítulo 8: Do Portão de Ferro ao Portão Dourado 

             Aos 17 anos, Kamala obteve notas excelentes em seu Certificado de Conclusão da Escola (SLC), recebeu uma bolsa de estudos de Associação de Amigos de Tharu (TFA) patrocinada pela diáspora Tharu na América — um segundo passo em sua educação que mudou a direção de sua vida. Ela ganhou uma medalha de ouro em seu I.Sc. (Intermediário de Ciência). Após um ano de preparação, ela recebeu uma bolsa do governo para estudar (O Bacharelado em Medicina, Bacharelado em Cirurgia) MBBS no Campus Médico de Maharajgunj, em Katmandu. 

             Lá, ela se especializou em Hematologia — o estudo da doença que a afligia desde a infância. Ela adquiriu um conhecimento profundo do processo de falcização, medicação, procedimentos de transplante e manejo da dor. Mas seu interesse especial era em Medicina Genética. Seu laboratório não era apenas no campus; ela mesma era um laboratório ambulante, tanto a investigadora quanto a amostra em investigação. Aos 26 anos de idade, a Dra. Kamala Tharu estabeleceu-se em Katmandu como uma influente trabalhadora de saúde pública e especialista em Hematologia Molecular. 

             Durante todas as férias, ela retornava a Hekuli — indo diretamente para Gurumaa antes de ir para casa, tocando seus pés. A Srta. Meena a levantava, abraçava-a contra o peito e beijava sua testa. Desta vez, a Srta. Meena perguntou: “Como está sua condição? As tecnologias para transplante de Células-Tronco e Medula Óssea finalmente chegaram ao Nepal agora?” 

             “Sim, Gurumaa, ambas as tecnologias de transplante de Células-Tronco e Medula Óssea chegaram ao Nepal. Mas essa tecnologia tem alguns contratempos, como encontrar um doador adequado é difícil, é muito caro e há o medo de infecção.” Após uma pausa, Kamala continuou: “Ainda tenho inflamação e dor às vezes, mas estou gerenciando apenas com medicamentos e nutrição.” 

            “Não pode ser criado um banco de dados de doadores adequados? Uma organização capaz deveria criar um banco de dados universal. É a era da internet agora.” 

           “Sim, Gurumaa, ainda não em nosso país, mas no país vizinho, a Índia, tais instalações começaram a criar um banco de dados de doadores. https://www.dkms-india.org/. Um doador adequado pode ser encontrado imediatamente lá. Mas há o risco de roubo e uso indevido de dados.” 

            “Sim, o perigo está em todos os lugares; usamos telefones celulares, há perigo nisso também. O governo deveria criar leis apropriadas.” Após um momento de reflexão, a Srta. Meena disse: “Kamala, meu pai era antropólogo. Li em seus livros que, antigamente, os Tharus costumavam cortar o cordão umbilical do bebê ao nascer e fazer um amuleto com ele.” 

           Ouvindo isso, os olhos de Kamala brilharam, e ela disse feliz: “Vou perguntar à minha mãe. Essa é uma tradição tão bonita. As células-tronco podem ser extraídas diretamente do cordão umbilical, que é seu próprio e tem 100% de compatibilidade. Milhares de doenças podem ser curadas com células-tronco desse cordão umbilical.” Pensando por um momento, ela disse desapontada: “O problema é que as próprias células-tronco de alguém podem não funcionar porque seus genes são defeituosos. Mas sim, células-tronco de um irmão saudável podem ser usadas. Pode-se fazer engenharia nesses genes. Há tantas possibilidades.” 

          Kamala se despediu de Gurumaa e dos outros professores e chegou em casa. Durgi preparou um banquete em casa para sua filha, de tanta felicidade. As pessoas estavam sentadas no pátio do lado de fora para receber Kamala. Afinal, Kamala era a primeira médica da vila, o orgulho da vila. Ela veio para quebrar a estagnação mental na vila, para promover o pensamento científico. 

             Kamala tocou os pés de todas as pessoas idosas, perguntando sobre seu bem-estar. Após algumas conversas, ela contou aos idosos sobre as palavras de Gurumaa Meena. Kamala perguntou: “Avós, antigamente, na nossa língua, como chamávamos o cordão umbilical, aquele objeto que era preso ao bebê ao nascer? Vocês costumavam cortar um pedaço dele e usá-lo como amuleto?” 

          “Sim, esse costume existia antigamente. Agora as pessoas não usam mais amuletos de linha ou medalhões?” falou uma avó. 

         “Sim, nos apegamos às nossas tradições, chamando nossas superstições e más práticas de nossa cultura, mas esquecemos as coisas boas. Esse amuleto de cordão umbilical não é um mantra de fantasma; é um truque científico. Esse amuleto feito de um pedaço do cordão umbilical tem o poder de curar centenas de doenças incuráveis.” 

     “Mas como fazer isso? Ninguém mais sabe o método,” perguntou um idoso. 

           “Lave o pedaço do cordão umbilical apenas com água pura (não use sabão, Dettol, álcool, etc.), mantenha-o limpo, seque-o à sombra com ar para não sujar, depois guarde-o em resina e coloque-o em um medalhão de prata. Talvez Kalaru Guruba saiba? Podemos conduzir essa campanha junto com ele.” 

A vila concordou. 

         Então Durgi se levantou e disse, juntando as mãos: “Minha filha vai para a Itália na próxima semana para estudos médicos superiores. Quero oferecer um banquete de despedida para minha filha. Por favor, todos venham esta noite.” Convites foram enviados ao chefe da vila, Kalaru Guruba, os professores da escola e os médicos do hospital. 

           Um idoso se levantou e disse: “Sim, sim, claro, todos participarão do banquete de despedida. Kamala não é apenas sua filha; ela é a filha de toda a comunidade, o orgulho da vila. Nós, os aldeões, arcaremos com essa despesa.” Todos aplaudiram em concordância. 

 

(Esta história é puramente fictícia e não está relacionada a ninguém. Os medicamentos mencionados na história não devem ser tomados ou administrados sem orientação médica. No entanto, a tabela alimentar pode ser usada.)

(Fim)

Fome (Poema)

Ranjan Lekhy
Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil
25 de agosto de 2025

No ventre do pobre arde a chama da fome,
Buscando alimento, seu coração consome.
Sonhos queimados no abraço cruel da dor,
A estrada da vida — espinhos e suor.
 

No peito do rico, a fome joga esperta,
Ganância o guia, a alma nunca desperta.
Quer mais e mais, seu cofre a acumular,
Mas mesmo em ouro, vazio há de ficar.
 

A fome da fama deseja aplausos do mundo,
Todo coração quer ser reconhecido e fecundo.
Vida brilhante, de elogios repleta,
Mas na multidão, só a alma deserta.
 

A fome do poder tece sonhos de mandar,
Reinar pra sempre — desejo a dominar.
Em nome do povo, o banquete é egoísta,
Com o trono nas mãos, o fardo é à vista.
 

A fome da beleza conta outra história,
De ser sempre belo — eterna memória.
A juventude encanta com perfume e cor,
Mas a velhice apaga o brilho e o vigor.
 

A fome do desejo mergulha em paixão,
Caminhos do corpo e da mente — divisão.
A fome do amor é pura e fortalece o ser,
Mas a da luxúria é frágil e vai se perder.
 

A fome é a história do viver humano,
Diferentes jornadas, um mesmo desengano.
Nos cantos do mundo, a dor é igual,
Na sombra da fome — um segredo fatal.
 

mas
 

A fome do saber é jornada de libertação,
A educação justa liberta da servidão.
Buscando a verdade com mente desperta,
A luz do saber toda sombra liberta.

Fim


Traduzido da língua Tharu:   https://dhakiyakhabar.com/news/2024/07/06/2354?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTEAAR2sohIX5fgWJDg1Y0P9nIovpu1D3_NrNtF8-_wFgkBiBM6mOt1bJjl9Z0g_aem_y9c0rbPbyfiJ79ahxJv0tg

Súplica pela Ressurreição (Conto)

(A História de Kisa Gotami)

– Ranjan Lekhy 

SAJ, Bahia, Brasil 

16 de novembro de 2025 

 

Setecentos anos antes de Jesus Cristo, na antiga Índia, em uma favela da capital Shravasti, no Reino de Kosala, vivia uma família muito pobre. Apesar do trabalho esmagador do pai todos os dias, nunca conheciam uma alimentação equilibrada ou nutritiva. Nesse ambiente sufocado por preocupações e dificuldades nasceu uma menina. Deram-lhe o nome de Gotami. Com o passar dos anos, seu rosto continuou belíssimo, mas a desnutrição e o trabalho incessante reduziram seu corpo a pouco mais que um esqueleto coberto de pele. Era inocente, disciplinada e incansável. No mesmo bairro viviam várias outras meninas também chamadas Gotami, todas rechonchudas e graciosas. Para diferenciá-la, os vizinhos começaram a chamá-la de “Kisa Gotami” – Gotami Magrinha.

O tempo girou sua roda. Dizem que após toda noite escura, o amanhecer há de chegar. Um dia o destino, por um breve instante, mostrou piedade. Para guiá-la à felicidade, entregou-lhe o fio frágil que chamamos casamento. Aos dezoito anos casou-se com uma casa rica. No início parecia um paraíso: sogros bondosos, marido amoroso, cunhados carinhosos. Mas a ilusão rachou e desmoronou em poucos anos. Quando, apesar do tempo passar, nenhum filho veio, a língua da sogra afiou-se e o olhar do sogro esfriou. Os membros mais jovens da família passaram a tratá-la com desprezo aberto. Era tolerada apenas como esposa cumpridora. Em casa tornou-se menos que uma criada – acordada antes do amanhecer, só podia dormir depois da meia-noite.

Então, um dia, um milagre. Contra toda esperança, engravidou. Um dia deu à luz um menino perfeito, de termo completo, de membros dourados e sem defeito. Da noite para o dia a casa mudou. Os sorrisos voltaram, mãos se estendiam para ajudar, palavras doces enchiam novamente o ar. Ela viu a verdade amarga: não havia sido acolhida como ser humano, apenas como uma máquina – ou para gerar filhos ou para trabalhar dia e noite sem amor, carinho ou descanso.

Mas aquela criança era dela, um pedaço do seu próprio coração. Tornou-se a sombra fresca de uma figueira-da-índia imortal que lhe dava paz, alegria e segurança. Derramou nele tudo: cada momento de dor, cada gota de leite arrancada da fome, cada canção de ninar tirada de um coração exausto. Observava maravilhada enquanto ele descobria o mundo com olhos arregalados, enquanto seus bracinhos se moviam, enquanto dava os primeiros passos cambaleantes, ria sem medo, chorava quando tinha fome ou estava molhado. Ao ver o filho nascido do seu ventre, todos os longos anos de fome, humilhação e nojo da vida dissolveram-se como cânfora no ar. Agora tinha o sol da esperança, a lua que cantava canções de ninar, os olhos pelos quais via o mundo inteiro. Numa palavra, estava completamente feliz.

Então, num dia de festa, a desgraça caiu. Um mau-olhado atingiu sua alegria. Um raio de dor desabou. No mês frio de Aghan, seu filho de três anos pegou febre, tossiu sem parar, lutou para respirar. A pobre Gotami tentou todos os remédios caseiros. No terceiro dia a tosse parou. A criança ficou babando, inconsciente. Ela o pegou no colo e correu para o pátio gritando: “Acorda, meu principezinho, meu rei! Por que dormes tanto?” Sacudiu-o suavemente, esfregou calor nas bochechas frias, rezou desesperada ao deus da família. Mas os olhos dele permaneceram fechados para sempre. Para ela parecia apenas um sono profundo. Seu mundo desabou, mas coração e mente se recusavam a aceitar.

Os vizinhos se reuniram com o alvoroço. Ela implorou aos parentes: “Chamem um xamã, qualquer exorcista! Algum mantra, algum ritual – qualquer coisa para acordar meu filho!” Um ancião verificou o pulso, colocou o dedo sob o narizinho. Nada. Seu próprio coração se partiu. Com voz embargada de tristeza disse: “Minha querida, o menino se foi. A roda da vida dele parou para sempre.” Com essas palavras o coração dela disparou, a mente ficou dormente. A loucura a envolveu como um sudário. “Ninguém vai me ajudar! Eu mesma vou encontrar um curandeiro. Meu filho vai ficar bem!” Apertando o corpinho sem vida contra o peito, fugiu.

Correu pelas ruelas tortuosas – uma sombra negra de desespero. Em cada porta batia, suplicando com voz que rasgava o coração: “Me deem remédio, qualquer remédio para acordar meu filho deste sono profundo!” As pessoas viam o cadáver em seus braços e os olhos queimando de esperança impossível; seus corações se derretiam. Alguém a mandou a um curandeiro famoso em outra rua; ela foi a todos os nomes mencionados, mas todos se revelaram inúteis. Rituais sem fim, orações sem fim – a criança não se mexia. Os mortos só ressuscitam nas histórias e mitologias, nunca realmente na vida. Uma alma bondosa sussurrou: “Aceite a verdade da morte, filha querida. Volte a si.” Outros, assustados com sua loucura, batiam portas e janelas. Homens cruéis brandiam varas, atiravam pedras, gritavam: “Fora, louca! Leve sua maldição embora!” Mas ela seguia correndo, pés descalços sangrando, sari rasgado, ornamentos quebrados, ainda pedindo ajuda. Acreditava que na próxima esquina certamente havia alguém que poderia acordar seu filho e devolver-lhe a vida.

Fome, sede e cansaço a esmagavam, mas a esperança queimava mais forte e feroz que tudo. Por fim chegou à casa de um velho cujo rosto trazia a calma de séculos. Ao ver a criança sem vida, o corpo quebrado da mãe, os olhos afogados em lágrimas, seu coração se derreteu. Pensou: “Nenhum remédio terreno pode reanimar este menino, mas o grande médico, o Tathāgata Buda, ainda pode acalmar o tormento desta mente perturbada.” Com voz suave de amor disse: “Nobre senhora, refugie-se no Buda, o supremo curador. O remédio que você procura está com ele.”

Ao ouvir o nome do Buda, um lampejo de memória iluminou sua mente. Há muito tempo ela havia vislumbrado de longe o brilho sereno do Senhor; já naquela época seu coração transbordara de fé. Nova força correu por seus membros. O mosteiro não ficava longe. Apertando o filho morto, correu em direção ao Mūlagandhakuti Vihāra.

O Senhor Buda estava sentado num divã, rodeado pela comunidade de monges. Milhares de fiéis leigos estavam ouvindo em silêncio absoluto seu sublime discurso. No instante em que Kisa Gotami chegou, prostrou-se aos pés dele, juntou as mãos, controlou a respiração ofegante e, com voz trêmula, implorou: “Senhor Buda! Dê-me o remédio que possa acordar meu querido deste sono profundo.”

O Tathāgata viu imediatamente a loucura em sua mente. Compaixão infinita brotou nele. Com voz suave disse: “Claro, filha. Tenho remédio para você. Mas para que funcione, você precisa me trazer um único punhado de sementes de mostarda pedidas como esmola na cidade.”

“Sim, Senhor!” Antes mesmo que ele terminasse, ela gritou, transbordando de alegria e esperança: “Eu trarei agora mesmo!” e levantou-se de um salto. Sementes de mostarda eram o tempero mais barato; certamente todas as casas tinham.

Mas o Buda ainda não havia terminado. “Há uma condição, filha. As sementes devem vir de uma casa na qual ninguém jamais tenha morrido.”

Kisa Gotami ainda não compreendeu o significado. Aceitando a ordem, saiu abraçando o cadáver do filho morto!

Na primeira casa bateu confiante, explicou que com aquelas sementes o Senhor Buda ressuscitaria seu filho. Os moradores, comovidos com sua situação, disseram generosamente: “Se sementes de mostarda podem trazê-lo de volta, leve não um punhado, mas um saco inteiro!” e encheram um saco para ela. Quando se virou para ir embora, lembrou-se da segunda condição do Buda. Perguntou: “Esqueci uma coisa – alguém já morreu nesta casa?”

“Sim, querida”, veio a resposta. “Há poucos meses meu pai faleceu; seus últimos ritos mal foram concluídos.” Seu rosto desabou. Devolveu as sementes: “Então seu presente não pode me ajudar. Preciso de sementes de uma casa que a morte nunca tenha tocado.”

Pensou: “Azar na primeira casa. A próxima certamente terá.”

A mesma cena se repetiu. Casa após casa tinha sementes em abundância, mas em todas as famílias alguém havia morrido – pai, mãe, filho, filha, avô, avó, tio, tia, irmão, irmã, servo, patroa. Depois de um tempo ela nem pedia mais as sementes; simplesmente batia e perguntava: “A morte já visitou esta casa?” Os moradores, assustados ao verem seu estado de loucura, respondiam rápido por piedade. Gotami seguia adiante.

A noite caiu. Ela havia batido em centenas de portas. Finalmente a compreensão atravessou sua mente: não existe no mundo uma casa que a morte não tenha tocado. Começou a aceitar que não era a única a perder um filho, que essa dor não era única nem injusta. O destino não a havia amaldiçoado só a ela. A morte do filho não significava que o universo tivesse se tornado cruel. Era simplesmente o curso natural das coisas – como uma lamparina a óleo que se apaga silenciosamente quando o óleo acaba, a morte vem sem ser chamada e leva o que é seu. Depois de percorrer a cidade e ouvir a dor de centenas de famílias, viu claramente: a morte prematura é comum. Ela era apenas uma entre incontáveis pais que perderam um filho cedo demais. Agora também ela precisava fazer o que os pais fazem – levar o corpo ao local de cremação e realizar os últimos ritos com amor.

Ainda dilacerada pela dor de mãe, mas liberta do peso da ignorância e do apego, Kisa Gotami aceitou a verdade no fundo do coração. Com amor terno levou o filho em sua última jornada e o cremou.

Então, com a mente angustiada acalmada, voltou ao Mūlagandhakuti Vihāra. Ao chegar diante do Abençoado, prostrou-se com plena reverência, recompôs-se e sentou-se em atenção plena. Pela postura dela o Buda soube que uma transformação profunda havia ocorrido, mas com um sorriso afetuoso perguntou: “Filha, você trouxe as sementes de mostarda?”

“Não, Senhor”, respondeu ela. “Sementes de mostarda havia em toda parte, e todos estavam prontos a dar, mas não encontrei uma única casa onde a morte nunca tivesse entrado.”

O Tathāgata sorriu suavemente. “Quando eu disse que tinha remédio para você, talvez tenha pensado que eu ressuscitaria seu filho. Mas a verdade é que o remédio nunca foi para ele – foi para você. Vejo que já começou a fazer efeito.”

Gotami curvou a cabeça em gratidão. “Sim, Senhor. Agora estou livre do apego e do desejo. Agora vejo claramente: ninguém escapa da velhice, da doença e da morte. Esta é a verdade inescapável para todo ser vivo.”

O Senhor Buda disse: “Muito bem, filha. Você realizou diretamente a Primeira Nobre Verdade: o nascimento é sofrimento, a velhice é sofrimento, a doença é sofrimento, a morte é sofrimento; a união com o desagradável é sofrimento, a separação do amado é sofrimento, não conseguir o que se deseja é sofrimento; em resumo, os cinco agregados sujeitos ao apego são sofrimento.”

Então Gotami disse: “Venerável Senhor, nasci numa família pobre e nada tive. Fui doente por desnutrição. Casei-me numa família egoísta e sem amor, e naquele ambiente tóxico tive que viver uma vida cheia de miséria e frustração. Quando nasceu meu filho amado, pensei que finalmente havia encontrado apoio para minha vida. Mas quando ele morreu, enlouqueci com a dor insuportável da perda. Porém, pela compaixão do Senhor, agora ganhei o olho da sabedoria. Já não sofro mais no delírio da dor; ao contrário, reflito e analiso com clareza.”

O Abençoado elogiou-a: “Excelente, filha. Agora aprenda as três Nobres Verdades restantes.”

Ao ouvir isso, Gotami pediu a ordenação e tornou-se bhikkhuni (uma freira). Anos depois, numa noite em sua cabana, contemplou a chama de uma pequena lamparina – tão frágil que a menor brisa poderia apagá-la. Naquele instante realizou profundamente a natureza fugaz da vida e atingiu o estado de arahant. Sua mente fundiu-se à mente do Senhor. O Buda soube que Kisa Gotami havia alcançado o Imortal. No salão da assembleia, para acender a diligência na Sangha meditante, anunciou a notícia alegre e recitou este verso:

Ainda que alguém vivesse cem anos

sem ver o estado Imortal,

melhor é um único dia de vida

para quem vê o Imortal.

Ainda hoje Kisa Gotami é honrada como uma das principais entre as grandes discípulas mulheres do Buda. Ela não apenas continuou a linhagem das bhikkhunis, mas, ao alcançar o fruto supremo do ensinamento, tornou-se uma fonte inesgotável de inspiração.

Após toda noite escura, o amanhecer chega mesmo. 

 

Fim

Sutta dos Kalamas: O Caminho da Investigação (Poema)

- Ranjan Lekhy
Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil
May 5th 2024

 

Em nosso Kesaputta,
missionários e filósofos,
Brahmanes e Shramanas
vêm pregar e habitar
mas eles trazem
menos fatos, mais surrealidade.
Cada um proclama
sua doutrina a ser defendida,
enquanto a dos outros
desprezam e reprovam.
 

Ó Buda, sábio e gentil!
Por favor, guia-nos
com tua mente desperta.
Neste labirinto de visões conflitantes,
Mostra-nos o caminho
que devemos escolher.
Perplexos e perdidos,
pedimos a ti,
quem fala falsidades
e quem fala a verdade?
Guia-nos por
esta complicada encruzilhada,
ajuda-nos a encontrar 'o caminho da luz'.
 

Assim, o Tathagata
Buda falou aos Kalamas:
Não acreditem em rumores
que se espalham como fogo
na floresta.
Pois a verdade nem sempre é encontrada
nas palavras que confiamos,
mas sim nas perguntas
de quem, o quê, por quê, onde,
qual e como são justas.
Pergunte, sem medo,
nunca tenha medo!
 

Não acreditem em tradições
que são velhas e desgastadas,
só porque estão aqui
antes de vocês nascerem.
Tudo é transitório,
não se apeguem pessoalmente, vejam
para não se prenderem ao dogma,
cegos por decretos.
Façam as perguntas apropriadas.
Boa pergunta traz boa resposta,
assim não precisamos temer,
nunca temer!
 

Nossos anciãos podem falar
com vozes antigas e sábias,
mas seus ensinamentos às vezes
não satisfazem.
Nova era e novas situações,
daí surgem novos problemas.
Precisamos de soluções modernas.
Nova ciência,
novas tecnologias
e ao abraçar o progresso, prosperamos.
 

Não acreditem nas palavras
dos gurus só porque são faladas
com convicção e certeza.
E não se deixem hipnotizar
por seus milagres e magia
nem serem influenciados
por sua personalidade e popularidade,
nem por retórica vazia e enrolação.
Olhem além da superfície,
sem orgulho ou preconceito,
busquem a verdade além do axioma.
 

Em todos os textos sagrados,
encontramos palavras tão divinas,
mas simplesmente acreditar
sem razão, recuso.
Pois o conhecimento deve ser buscado,
alegações extraordinárias
precisam de evidências extraordinárias,
para que não caiamos na armadilha
 de uma mente dogmática.
Dhamma significa despertar
não iludir a mente.
 

Raciocínio lógico,
pensamento crítico, ferramenta poderosa.
Mas ao confiar exclusivamente nele,
não sejamos tolos.
Má lógica ou falácias lógicas
matam o espírito das descobertas!
Proposição falsa
leva a uma conclusão falsa.
Quatro limites da lógica:
Verdades parciais, Linguagem,
Incerteza e Percepção.
 

Em resumo,
não acreditem em nada
de novo ou antigo
Nem todo o brilho
é ouro verdadeiro.
Encontrem evidências e provas,
experimentem e testem
com cuidado em torno.
O conhecimento empírico é poderoso,
quando é livre de erro e claro.
Adotem-no e promovam-no
se servir ao bem-estar.

FIM

Traduzido do inglês, originalmente publicado aqui: https://english.sahityapost.com/kalama-sutta-the-path-of-inquiry/

Melhor Morrer Lutando (Conto)


(Esforço sobre a Inatividade)

– Ranjan Lekhy
Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil
7 de setembro de 2025

Em um tempo distante, o Bodhisattva nasceu como uma humilde codorna, habitando uma floresta exuberante. Em um dia fatídico, um fogo feroz rugiu através das árvores, mergulhando a selva no caos. Criaturas de todos os tipos fugiram aterrorizadas, seus gritos ecoando através da copa das árvores. Se o incêndio não fosse contido, ele consumiria tudo, sem deixar alma ilesa.

Sem se deixar abalar, a pequena codorna entrou em ação. Com determinação inabalável, ela voou até um lago próximo, mergulhou suas delicadas asas na água e voltou ao incêndio. Pairando sobre as chamas, ela balançou as asas, espalhando gotas de água, cada gota estalando contra o fogo. Repetidamente, a codorna retornava ao lago, seu pequeno corpo incansável em sua missão de apagar as chamas.

Das alturas celestiais de Brahmaloka, o Senhor Brahma observava esse esforço valente. Assumindo a forma de um corvo, ele desceu e se empoleirou perto da codorna, sua voz cheia de escárnio. “Pássaro tolo, o que suas gotas insignificantes podem fazer? O fogo vai te consumir, como o destino determina.”

A codorna, destemida, fixou o olhar no corvo. “O destino pode ser implacável, mas a inatividade não é uma virtude. Prefiro perecer lutando do que ficar parado observando. Meus esforços me colocarão entre aqueles que lutaram, não entre os que apenas assistiram.” Com isso, ela subiu novamente em direção ao lago, resoluta.

Cega pela fumaça em uma de suas viagens perigosas, a codorna vacilou e caiu no chão. Um elefante, tocado por sua coragem, gentilmente levantou a pequena ave com sua tromba e a colocou em segurança. Inspirado, o elefante reuniu seu rebanho e, cada animal, começou a pegar água do lago e jogar nas chamas com poderosos jatos de suas trombas.

A floresta entrou em ação. Rinocerontes avançaram, chutando a terra para sufocar o fogo. Pássaros molharam suas asas, lançando água sobre as chamas. Até o cético corvo, envergonhado pela determinação coletiva, se juntou, carregando gotas em seu bico. Unidos, os animais lutaram como um só, e seus esforços combinados abafaram o incêndio.

No final, sua perseverança triunfou. O fogo foi extinto e, embora a floresta tenha ficado marcada, ela permaneceu resiliente. O lar dos animais foi salvo, como um testemunho do poder do esforço coletivo sobre a desesperança passiva.

(Fim)

Manteiga Ghee e Pedrinhas (Conto)

—Ranjan Lekhy
Saj, Bahia, Brasil 
Quinta-feira, 12 de junho de 2025

Um dia, um jovem, chorando amargamente, veio buscar refúgio com Gautama Buda. Lágrimas escorriam de seus olhos, e ele soluçava incontrolavelmente, o rosto refletindo profunda tristeza, desamparo e desespero. O Senhor Buda olhou para ele com compaixão e perguntou em voz calma: “O que aconteceu, filho? Por que você está tão aflito?”

O jovem, com voz trêmula, respondeu: “Ó desperto, ontem meu venerado pai faleceu.” Sua voz estava cheia de dor. Soluçando, continuou: “É por isso que meu coração está profundamente angustiado. Eu o amava muito. Sua partida é a maior perda da minha vida. Agora me sinto destruído.”

O Senhor Buda, tentando acalmar sua mente, disse: “Querido filho, o que aconteceu faz parte do ciclo natural da vida. Todo ser que nasce deve enfrentar a morte. Seu choro não pode trazer seu pai de volta. Nem mesmo deuses e deusas têm o poder de deter a morte.”

O jovem assentiu. “Sim, Senhor, eu sei que a morte é inevitável. Mas vim com um humilde pedido.”

“Qual é o seu pedido, filho?”, perguntou Buda gentilmente.

“Ó Senhor, por favor, faça algo pela libertação da alma do meu pai. O Senhor possui poderes maravilhosos. Quando outros brâmanes, sadhus, sacerdotes, monges e sábios realizam rituais, as pessoas dizem que a alma do falecido atinge a libertação ou chega ao céu. Eu sei que o Senhor é muito mais poderoso do que todos eles. Se o Senhor fizer algo pelo meu pai, ele não vai ganhar apenas um visto de entrada para o céu — vai ganhar um green card para residência permanente! Por favor, encontre uma maneira para ele.”

A mente do jovem estava tão perturbada que ele não estava em condições de ouvir ou entender raciocínios lógicos. Seus pensamentos ainda estavam enredados em crenças populares e tradições supersticiosas. Buda viu que um ensinamento direto não funcionaria naquele momento. Ele decidiu usar um experimento simbólico para ajudar o jovem a perceber a verdade.

Consolando-o externamente, Buda disse: “Filho, eu entendo o seu apelo. Venha, vamos realizar um ritual. Vá ao mercado e compre dois vasos de barro e um pedaço de tecido musseline vermelho.”

O rosto do jovem se iluminou de alegria. Ele pensou que o Senhor estava prestes a realizar algum ritual divino para facilitar a jornada do pai no além. Ele correu até o Mangal Hatiya (Mercado), comprou dois belos vasos de barro pretos (pequenos) do oleiro e um tecido musseline vermelho, e então voltou. A notícia se espalhou pela vila de que o Senhor Buda estava conduzindo uma grande cerimônia fúnebre. Logo, todos se reuniram na casa do jovem.

No devido tempo, o Senhor Buda chegou com cinco discípulos. Os aldeões prestaram homenagem à Sangha e sentaram-se em silêncio, observando com curiosidade.

Buda então disse ao jovem: “Encha um vaso com um quilo de ghee.”

O jovem assim o fez.

“Agora encha o outro vaso com dez ou quinze pedrinhas pequenas.”

Sem questionar, o jovem fez isso também.

“Agora sele bem os dois vasos de barro pela parte de cima e amarre-os com o tecido vermelho para que as bocas fiquem completamente fechadas.”

Cuidadosamente, o jovem selou e amarrou os dois vasos conforme instruído.

“Faça duas placas com folhas limpas e coloque nelas arroz inteiro, folha de betel, noz de areca, folhas de tulsi, uma lâmpada de ghee e incenso para adoração.”

“Um bastão de bambu para cajado.”

O cajado foi rapidamente preparado conforme ordenado.

“Agora vamos ao lago para o ritual.”

O jovem, vestido com um dhoti limpo e pano superior, segurava o cajado de bambu verde na mão. Um a um, as pessoas carregaram os dois potes em uma corrente em direção ao lago da vila. O Senhor Buda e a comunidade monástica seguiam atrás. As mulheres da casa, chorando, carregavam os materiais de adoração. Uma multidão de aldeões se reuniu na margem do lago.

O Senhor Buda disse ao jovem: “Agora fique com a água na cintura e coloque os dois vasos e os materiais de adoração ali para o ritual.”

O jovem entrou na água, colocou os dois vasos e as placas de folhas com os materiais. Todos os itens flutuaram como esperado. De frente para o leste, ele realizou a adoração de coração. Todos sentaram-se em silêncio na margem.

Após a adoração, Buda disse: “Agora pegue o cajado de bambu.”

Todos estavam curiosos sobre o próximo passo.

“Agora quebre os dois vasos, um de cada vez, com o cajado.”

O jovem golpeou com força, e os dois vasos de barro se despedaçaram. O ghee de um vaso se espalhou e flutuou na água, enquanto as pedrinhas do outro vaso tilintaram e afundaram no fundo.

Buda sorriu e disse: “Filho, agora vamos todos juntos orar com corações puros — ‘Ó pedras, subam! Ó ghee, desçam!’”

O jovem ficou atônito. Após um momento de silêncio, ele disse: “Senhor, isso é impossível. As pedras são mais pesadas que a água, por isso afundam. O ghee é leve e escorregadio, por isso flutua na superfície. Essa é a lei da natureza. Nenhum mantra ou oração pode mudar essa lei.”

Buda sorriu, olhou para ele e disse: “Filho, assim como há leis da natureza física — que objetos pesados afundam e objetos leves flutuam —, também há leis da vida. A virtude é leve, o pecado é pesado; a felicidade é leve, a tristeza é pesada. O que uma pessoa faz determina se ela sobe ou desce, na vida e após a morte.”

“Se seu pai cumprisse seus deveres em vida, servisse aos outros e trilhasse o caminho da verdade, da compaixão e da bondade, suas ações virtuosas seriam leves como ghee. Ele ascenderia, alcançaria um bom renascimento e nada poderia derrubá-lo. Mas se sua vida tivesse sido gasta em egoísmo, ódio, ganância e violência, ele afundaria como uma pedra. Nenhum deus, deusa, ritual ou cerimônia poderia elevá-lo ou conceder-lhe a libertação. ”

Ao ouvir as palavras de Buda, todos reunidos na margem do lago caíram em profunda reflexão. O jovem ficou em silêncio, atordoado com esse choque intelectual. Logo, uma faísca de compreensão começou a brilhar dentro dele. Ele agora percebia que boas ações são muito mais importantes do que qualquer ritual externo.

Buda olhou para ele com terna compaixão. “Filho, libere sua preocupação pela alma do seu pai. Se o karma dele foi saudável, ele alcançou seu destino merecido. Se não, seu dever agora é viver de tal maneira que, quando chegar a sua hora, você também suba. Ações feitas pelos mortos não geram mérito. No entanto, realizar boas ações em nome do seu pai — isso é a verdadeira homenagem.”

Uma nova luz brilhou nos olhos do jovem. Ele caiu aos pés de Buda com os aldeões e disse: “Ó desperto! Hoje, com a luz da sua sabedoria, o Senhor dissipou as trevas da nossa ignorância. Agora entendemos que, para mudar a direção da vida, devemos mudar nossas ações. Nós nos esforçaremos para tornar nossas vidas leves como o ghee, não pesadas como pedrinhas.”

Buda, com uma voz cheia de tranquilidade e compaixão, disse: “Filho, esta é a verdade, este é o Dharma, este é o caminho para a libertação.”

Uma criança na margem perguntou: “Senhor, o Senhor falou de boas ações. Quais são elas?” Buda respondeu: “Observar a conduta moral, praticar a meditação e desenvolver a sabedoria são boas ações.” Ele então explicou o Nobre Caminho Óctuplo em linguagem simples:  
·      Moralidade: Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto  
·      Meditação: Esforço Correto, Atenção Plena Correta, Concentração Correta  
·      Sabedoria: Visão Correta, Intenção Correta  

Todos entoaram “Sadhu, sadhu, sadhu” em gratidão ao Senhor. Começaram os preparativos para oferecer comida à comunidade monástica.

(Fim)

नक्कली मसीहाको उद्गीथ (A balada do falso Messias de Moacyr Scliar em nepalês.)

मोआसीर स्लियर

अनुवादकः रंजन लेखी

साज, बाहिया, ब्राजिल

२२ जुलाई २०२४

 

             ऊ गिलासमा रक्सी हाल्न गईरहेको छ । उसका चाउरी परेका हातहरु अहिले काँपिरहेका छन् । तर तिनीहरू अझै पनि मलाई प्रभावित गर्दैछन्, ती ठूला र बलिया हातहरू । म तिनीहरूलाई मेरो आफ्नै हातहरुसँग तुलना गर्दछु, तिनीहरूका छोटा तर बाक्ला औंलाहरू । र म स्वीकार गर्दछु कि उसलाई मैले कहिल्यै बुझ्न सकिनँ र शायद कहिल्यै बुझ्न सक्दिनँ होला ।

           मैले उसलाई जेमलियामा पहिलो पटक भेटेँ । त्यो पुरानो जहाजमा, हामी यहूदीहरू रूस छोड्दै थियौं । हामीलाई नरसंहारको डर थियो । (लातिन) अमेरिकाले सहयोग गर्ने वाचाको साथ हामीलाई निमन्त्रण गरेको थियो, त्यसैले हामी त्यहाँ पुग्न तेश्रो दर्जामा बसेर यात्रा गर्दै थियौं । सन् १९०६ को कुरो हो, हामीले रोयौं र बान्ता ग¥यौं । हामी चढ्दा तिनीहरू पहिले नै जहाजमा उपस्थित थिए ।

          शब्ताई ज्वी र गाजा (प्यालेस्टाईन) को नाथन । हामीले उनीहरूलाई बेवास्ता गर्यौं । हामीलाई थाहा थियो कि तिनीहरू पनि यहूदी थिए तर हामी रूसमा शंकास्पद थियौं । हामीलाई आफू भन्दा बढी प्राच्य (पूर्वीया) मान्छे मन पर्दैन थियो । र शब्ताई ज्वी एशिया माइनरको तुर्क थियो– तपाईंले उसको श्याम वर्णको त्वचा र कालो आँखा हेरेर बताउन सक्नुहुन्छ । कप्तानले हामीलाई भने कि उ धेरै धनी परिवारबाट थियो । वास्तवमा, उ र फिलिस्तिनी नाथनसँग मात्र जहाजमा एउटा राम्रो क्याबिन थियो । त्यसोभए उनीहरू किन (लातिन) अमेरिका जाँदै थिए त ? तिनीहरू किन भाग्दै थिए ? अनुत्तरित प्रश्नहरू थिए ।

            फिलिस्तिनी नाथनको सानो कद र श्यामल त्वचाले मानिसहरुलाई, विशेष गरी हामीलाई, जिज्ञासा जगायो । हामीले एरेत्ज इजरायलको कुनै फिलिस्तिनी यहूदीलाई कहिल्यै देखेका थिएनौं – हामी मध्ये धेरैका लागि त्यो भूमी सपनामा मात्र अवस्थित रहेको थियो । फिलिस्तिनी नाथन, एक दम वाकपटु वक्ता थियो, श्रोताहरूलाई गलीलीका सहज डाँडाहरू, सुन्दर ताल किनरेट, गाजाको ऐतिहासिक सहर, जहाँ उ जन्मेको थियो र जसका ढोकाहरू शिमशोनले भत्काएका थिए भन्ने वर्णन गर्यो । तर मातेको अवस्थामा उसले आफ्नो मातृभूमिलाई धिक्कारथ्यो, ढुँगा र बालुवा, ऊँटहरू, चोर अरबहरूको देश भनेर । क्यानरी टापुहरू बाहिर, शब्ताई ज्वीले उसलाई एरेत्ज इजरायललाई सराप्दै समातेको थियो । रगत बगेसम्म उसले नाथनलाई भुँईमा लडाएर पिटेको थियो । जब नाथनले पनि प्रतिकार गर्ने हिम्मत गर्यो तब उसले नाथनलाई अन्तिम पटक लात्तीले हिर्काएको थियो ।

           त्यसपछि उसले कसैसँग नबोली आफ्नो क्याबिनमा थुनेर दिन बितायो । जब हामी छेउबाट गयौं, हामीले रोएको, हिकहिक गरेको र मधुरो गीत गाएको सुन्यौं । एक बिहान, हामी नाविकहरूको चिच्याएको आवाज सुनेर उठ्यौं । हामी डेकमा दौडियौं र त्यहाँ शब्ताई ज्वीलाई चिसो समुद्रमा पौडी खेलिरहेको देख्यौं । तिनीहरूले लामो डुङ्गालाई तल झारे र कठिनाइले उसलाई पानीबाट निकाल्न सफल भए ।

           ऊ पूर्णतया नाङ्गो थियो र त्यसरी नै ऊ हाम्रो छेउबाट हिँड्यो, टाउको उचालेर हामीलाई नहेरी आफूलाई केबिनमा कैद गर्यो । फिलिस्तिनी नाथनले भन्यो कि त्यो स्नान अध्यात्मिक अनुष्ठानको लागि थियो, तर हाम्रो निष्कर्ष फरक थियो – त्यो तुर्क सनकी थियो ।

            हामीहरु रियो दि जेनेरियो (ब्राजील) को फूलहरुको द्वीप (Ilha das Flores) मा आइपुग्यौं, र त्यहाँबाट हामीहरु इरेक्सिमको यात्रा गर्यौं । त्यहाँबाट हामीहरुलाई गाडीमा चढाएर हाम्रो नयाँ घरहरूमा लगियो, ब्यारोन फ्रान्क भनिने धनी कोलोनीमा । हामीलाई प्रायोजित गर्ने एक अस्ट्रियाली परोपकारी सामाजिक अभियन्ताको सम्मानमा हामीहरु भेटन गयौं तर हामीहरुले उहाँलाई कहिल्यै भेटन सकेनौ । हामीहरु उहाँ महोदयप्रति धेरै नै आभारी थियौं । कोही–कोहीले भने कि रेलमार्ग त्यसै जग्गा भएर जाने छ जहाँ हामीलाई स्थापित गरिनेबाला थियो, जसबाट सेयरको मूल्य बढन सक्ने फ्रान्क ब्यारोनलाई चासो थियो रे । तर मलाई विश्वास लाग्दैन । मलाई लाग्छ ऊ राम्रो मान्छे थियो, अरु केही हैन । उहाँले प्रत्येक परिवारलाई जमिन, काठको घर, कृषि औजार र मवेशीहरू दिनुभयो ।

          शब्ताई ज्वी र फिलिस्तिनी नाथन दुबै जना संग सँगै रहन लागे । उनीहरूलाई पनि एउटा घर दिइयो, यद्यपि ब्यारोनको प्रतिनिधिले उनीहरूलाई एउटै छानामुनि सँगै हेर्ने विचार मन परेको थिएन ।

            “हामीलाई परिवार चाहिन्छ ।” उसले चिच्याएर भन्यो, “अपरिचत र अनौठा मान्छेहरु होईन ।”

शब्ताई ज्वीले उसलाई कडके आँखाले हेर्यो । उसको नजरमा यस्तो शक्ति थियो कि हामी स्तब्ध भयौं । ब्यारोनको एजेन्ट पनि काँप्यो, हामीलाई अलविदा भनेर हत्पत बाहिर निस्कयो । 

              हामी पनि काममा लाग्यौं । अति कष्टकर थियो ग्रामीण जीवन ! रुख काटनु पर्ने । खन जोत गरेर रोपाइँ गर्नु पर्ने, हाम्रा हातहरु रगतले लतपतिएका हुन्थे ।

            महिनौंसम्म हामीले शब्ताई ज्वीलाई देखेनौं । उ आफ्नो घरमा स्वैक्षिक कैद भएर एकान्तवास गरिरहेको थियो । फिलिस्तिनी नाथन गाउँमा वरिपरि घुमिरहेका थियो, कपडा र भोजनको लागि सहयोग माँगीरहेको थियो । उसले शब्ताई ज्वी चाँडै नै फर्कने र सम्पूर्ण जनतालाई शुभ समाचार दिने घोषणा गर्यो । “ऊ के गर्दैछ”, हामीले सोध्यौ ।

           “के गर्दै हुनुहुन्छ उहाँले ? उहाँले अध्ययन गर्दै हुनुहुन्छ । उहाँले कबलाह, यहूदी रहस्यवादको उत्कृष्ट कृतिहरुः सृष्टिको पुस्तक (O Livro da Criação), प्रतिभाको पुस्तक (O Livro do Brilho), वैभवको पुस्तक (O Livro do Esplendor) को अध्ययन गरिरहेको हुनुहुन्छ। अनि गुढवाद  (O ocultismo), आत्माको संसरण र अवातारशास्त्र  (A Metempsicose), भूतदानव विद्या (A Demonologia), मन्त्रविद्या (जसले भूतात्मालाई आव्हान गरेर बोलाउन सक्छ र धपाउन पनि सक्छ, यही मन्त्रशक्तिले पानीमा खुट्टा नभिजाएर हिंडन सक्छ विभिन्न ऋद्धि सिद्धि देखाउन सक्छ आदि), अंकविज्ञान ज्योतिषशास्त्र आदि।

            यसै बीचमा चिकु डियावो नामको नामी डाकू ब्यारोन फ्रैंकमा प्रकट भयो । उ आफ्नो ठूलो गीरोहको साथ अवास लार्गस (कुरिचिवा शहर भन्दा थोरै टाँढा) बाट भागेर हाम्रो गाँउको सीमामा आएर लुक्यो र ताण्डव मच्चाउन थाल्यो । हामीलाई लुटेर अय्यासी गर्दथ्यो र हाम्रो सम्पतिको नाश गर्दथ्यो । अट्हास् गर्दै हाम्रो मवेशीलाई कुट्थ्यो र उनका अण्डकोषहरु निकालेर भूटेर खाई दिन्थ्यो । र यदि हामीले अधिकारीहरुलाई यसको शिकायत गर्यौं भने हामीलाई जान मार्ने धम्की दिन्थ्यो । मानौं यो दूर्भाग्य हाम्रो लागि प्रयाप्त थिएन, ओलावृष्टि भएर गहुँबाली सखाप पार्यो र हाम्रा फलका वगान पनि खत्तम पार्यो । र साथै त्यहीँ समयमा शब्ताई ज्वी पनि गाँउमा देखाई पर्यो । हामी झन गहिरो निराशाको तालमा डूब्यौं ।

           उसको रूपमा परिवर्तन भैसकेको थियो । उपवासले उसको बलियो शरीरलाई ध्वस्त पारेको थियो, उसका काँध र पाखुराहरु ढलेका थिए, शिथिल थिए उसको दाह्री, अहिले अनौठो रूपमा सेतो, छातीको आधा तल पुगेको थियो । पवित्रताले उसलाई ढाकेको थियो । उसको आँखामा तेज चमक आई सकेको थियो ।

          उ बिस्तारै मुख्य सडकको अन्त्य सम्म आईपुग्यो । हामीहरु हाम्रा उपकरणहरू राख्यौं, हामी हाम्रा घरबाट निसस्कयौ र उसलाई अनुशरण गर्दै पछि लाग्यौ । माटोको ढिस्कोमा उभिएर, शब्ताई ज्वीले हामीलाई सम्बोधन गर्न थाल्यो ।

        “ईश्वरीय दण्ड तिमीहरु माथि आई परेको छ ।”

        उसले डाकू चिकु डियाबो र असिना तिर संकेत गरिरहेको थियो । हामीले भगवानको क्रोध भोगेका थियौं रे । अनि हामीले हाम्रा पापहरूको प्रायश्चित गर्नु पर्छ रे ।

           उसको कथनानुसार, हामीले सबै कुरा त्याग्नु पर्छ । हाम्रा घरहरू, हाम्रा खेत र बाली, हाम्रा पाठशाला, र हाम्रो सभाघर । यसको बदला हामी आफैंले हाम्रा घरका काठ पात प्रयोग गरेर एउटा जहाज बनाउनेछौं,  हाम्रो प्रार्थनाघरका पर्दाहरुहरूलाई पाल बनाउने छौं । हामी समुद्र पार गर्नेछौं । हामी प्यालेस्टाइन, एरेत्ज इजरायल पुग्नेछौं र त्यहाँ, पवित्र र पुरानो सहर स्फाटमा, हामी एउटा ठूलो भब्य मन्दिर निर्माण गर्नेछौं ।

          “र के हामीले त्यहाँ मसीहको आगमनलाई पर्खनेछौं ?” – काँपिरहेको स्वरमा कसैले सोध्यो ।

— “मसीह आई सक्नुभएको छ !”— फिलिस्तीनी नाथन भीडमा चिच्यायो — “मसीह यहाँ हुनु हुन्छ ! हाम्रो मसीह उहाँ शब्ताई ज्वी हुनुहुन्छ !”

            शब्ताई ज्वीले आफूले बेरेको लुगा खोल्यो । हामीहरु डरले पछि हट्यौं । हामीहरुले दागले ढाकिएको उसको नाङ्गो शरीर देख्यौं । उसको पेटमा, कीलहरुले भरिएको बेल्ट, जसको टुप्पो उसको मासुमा धँसेको थियो । त्यस दिनदेखि हामीले कहिल्यै काम गर्न गएनौं । असिनाले बालीनाली नष्ट भई नै सकेको थियो । चिकु डियाबोले जनावरहरू चोर्ने डर रहेन किनभने हामी जाँदै थियौं । हामीले सहर्ष हाम्रा घरहरू भत्कायौं । महिलाहरूले डुङ्गाको लागि पाल बनाउन कपडा सिलाई कटाई गर्न थाले । केटाकेटीहरूले जङ्गली फलहरू सङ्कलन गरेर संरक्षण गर्न थाले । फिलिस्तिनी नाथनले पैसा जम्मा गरे ताकि उसले पवित्र भूमिमा शासन गर्ने तुर्कीका शक्तिशालीहरूलाई घूस दिन सकोस् ।

             “यी यहूदीहरूलाई के भइरहेको छ?” स्थानीय बासिन्दाहरूलाई खुल्दुली भई रहेको थियो । तिनीहरू यति उत्सुक थिए कि तिनीहरूले पादरी ब्यातिस्तेलालाई अनुसन्धान गर्न आग्रह गरे । पादरी पनि हामीलाई भेट्न आए । उहाँलाई हाम्रो कठिनाइहरू थाहा थियो र हामीलाई मद्दत गर्न इच्छुक हुनुहुन्थ्यो ।

          “हामीलाई यसको आवश्यकता छैन, फादर !”, हामीले पूर्ण निर्दोषता साथ जवाफ दियौं । “हाम्रो मसीह आउनुभएको छ । उहाँले हामीलाई मुक्त गर्नुहुनेछ, उहाँले हामीलाई खुशी पार्नुहुनेछ ।”

         “मसीह?” – पुजारी छक्क परे । — “मसीह पहिले नै पृथ्वीमा आएर गई सक्नु भयो ।

उहाँ हाम्रा प्रभु येशू ख्रीष्ट हुनुहुन्थ्यो, जसले पानीलाई मदीरामा परिणत गर्नुभयो र हाम्रा पापहरूका लागि क्रूसमा मर्नुभयो ।”

         “चुप लाग्नुस्, फादर !”– संता चिच्याईन् –  “शब्ताई ज्वी हाम्रो मसीह हो !”  सन्ता, मोटो लीब रुबिनकी धर्मपुत्री छोरी थिईन् । उनी एउटा नररंहारमा आफ्ना आमाबालाई गुमाएकी थिईन् । उसको मन विचलित थियो । उसले शब्ताई ज्वीलाई जहाँ पनि अनुशरण गरेकी थिईन् । उसलाई विश्वास थियो कि उ चाँहि प्रभु मसीहको अभिषेकको लागि आरक्षित पत्नी हो । र हामीलाई अचम्म पार्दै शब्ताई ज्वीले उसलाई स्वीकार पनि गर्यो । हामीले जुन दिन डुङ्गाको पतवार तैयार पारेर समाप्त गर्यौं त्यसै दिन तिनीहरूको विवाह पनि सम्पन्न भयो ।  जहाँसम्म डुङ्गाको सवाल छ त्यो त एक दम राम्रो बनेको थियो । हाम्रो उद्देश्य त्यसलाई समुद्रमा लानु थियो । बेन्तो गोन्जालेसले डुङ्गा बोकेर तान्न आफ्नो ठूलो बैल गाडा तयार पारेको थियो, जसले समुद्रमा लैजान सकोस् ।

          थोरै दिनको कुरो थियो । यस बीचमा चिकु डियाबो अब हरेक हप्ता देखा पर्न थाल्यो । एक पटक मा दुई वा तीन ठाँउमा डकैती गर्दथ्यो । कतिपयले ती डाँकाको सामना गर्ने कुरा पनि गरे । तर शब्ताई ज्वीले यो विचारलाई अनुमोदन गरेन । “हाम्रो राज्य समुद्र पारी छ । र परमेश्वरले हामीलाई हेर्दै हुनुहुन्छ । उहाँले सब उपलब्ध गराउनुहुनेछ ।”

            न भन्दै केही दिनमा डाकु चिकु डियाबो पनि गायब भयो । दुई हप्तासम्म हामीले शान्तिपूर्वक काम गर्यौं, प्रस्थानको तयारीलाई अन्तिम रूप दियौं । त्यसपछि, एक शनिबार बिहान, एउटा घोडसवार गाउँमा आयो । उ गुमेरचिन्डो थियो, चिकु डियाबोको दायाँ हात ।

          “चिकु डियाबो बिरामी छ !” – उसले घोडाबाट नओर्ली करायो “उहाँ धेरै बिरामी हुनुहुन्छ ।

डाक्टरले सही उपचार गर्न सकेन । चिको डियाबोले मलाई तिमीहरुको वैद्यलाई उहाँलाई निको पार्न ल्याउ भन्नु भएको छ ।”

    हामीहरुले उसलाई चूपचाप भएर घेरेका थियौं ।

 “र यदि ऊ आउन चाहँदैन भने” – गुमेरचिन्डोले भन्न जारी राख्यो – “हामीले पूरै गाउँलाई जलाउनु पर्छ । के तिमीहरुले सुन्दैछौ ?”

 “म जानेछु ”– ठूलो आवाज करायो ।

त्यो शब्ताई ज्वी थियो । हामीले उसको लागि बाटो बनायौं । ऊ बिस्तारै नजिक पुग्यो, डाकुलाई हेर्दै भन्यो ।

“झर !”

गुमेरचिन्डोले आफ्नो घोडाबाट ओल्र्यो । शब्ताई ज्वी घोडामा चढ्यो ।

“अगाडि जानुहोस्, दौड ।”

          ती तीन जना मध्येः पहिलो गुमेर्सिन्डो चाँहि दौड्दै, शब्ताई ज्वी घोडामा र फिलिस्तिनी नाथन चाँही गधामा सवार थिए । सन्ता पनि जान चाहन्थिन तर लीब रुबिनले उसलाई जान दिएन ।

         हामी दिनभर स्कूलमा सँगै बस्यौँ । हामीले केही बोलेनौं, चूप थियांै, हाम्रो पीडा धेरै ठूलो थियो । जब रात पर्यो हामीले घोडाको टापको आवाज सुन्यौं । हामी ढोकातिर दौड्यौं । त्यो फिलिस्तिनी नाथन थियो, उसको साँस फुलेको ।

         उसले साँस सम्हाल्दै भन्न थाल्यो, “हामीले चिकु डियाबोलाई भुइँमा लडिरहेको भेट्टायौं । उसको छेउमा, एक जना धामी झाँक्रीले झार फूक गदै थियो । हाम्रो मसीह शब्ताई ज्वी डाकूको छेउमा बस्नु भयो । उहाँले केही पनि भन्नु भएन, केही गर्नु भएन, डाँकालाई छुनु पनि भएन । मात्र त्यसलाई नियालेर बसी राख्नु भयो । अनि चिकु डियाबोले आफ्नो टाउको उठायो, हाम्रो मसीहलाई हेर्यो, चिच्यायो र मर्यो । डाँकाहरूले त्यहीँ त्यो झाँक्रीलाई मारे । मलाई मसीह शब्ताई ज्वी को बारे मा केहीं थाहा छैन । म भाग्दै यहाँ तिमीहरुलाई चेतावनी दिन आएको हुँ । भाग, यहाँबाट भागी हाल ।”

        हामीहरु पनि गाडीमा चढयौं र इरेक्सिमतिर भाग्यौं । सन्तालाई बलपूर्वक लानु परेको थियो । भोलिपल्ट लीब रुबिनले हामीलाई भेला गर्यो ।

        “मलाई थाहा छैन तपाईंहरुले के गर्न सोच्दै हुनुहुन्छ”, उसले भन्यो – “तर म यी सबै ब्यारोन फ्रान्क, प्यालेस्टाइन, स्फाटका कथाहरूबाट थाकी सकेको छु । म पोर्तो अलेग्रे जाँदैछु । के तपाईहरु मसँग जान चाहनुहुन्छ ?”

   “अनि शब्ताई ज्वी?”, फिलिस्तिनी नाथनले काँपिरहेको स्वरमा सोध्यो (शायद पश्चातापको भावना थियो) ।

“ऊ नर्कमा जान सक्छ, त्यो पागल! ” — लीब रुबिनले चिच्यायो । – “उसले दुर्भाग्य मात्र ल्यायो ।”

“यस्तो कुरा नगर्नु बाबा !” – सन्ता पनि चिच्याईन — “उहाँ मसीह हुनुहुन्छ ।”

          “के मसीह, केहि छैन यहाँ ! यो कथा बन्द गर । यसले अझै पनि विरोधीहरूलाई उत्तेजित गर्नेछ । पादरीले भनेको कुरा सुनेनौ ? मसीह पहिले नै आई सक्नु भएको छ, ठीक छ ? उहाँले पानीलाई रक्सी र अन्य चीजहरूमा परिणत गर्नुभयो । अब चूप । हामी जाँदैछौं । तिम्रो श्रीमान् यदि अझै जीवित छ भने र यदि उसको टाउको सलामत छ भने, उसले हामीलाई खोज्दै आउनेछ । तिम्रो हेरचाह गर्ने दायित्व मेरो हो र म तिम्रो हेरचाह गर्नेछु, तिम्रो पतिको साथ वा बिना !”

       हामी पोर्तो एलेग्रेको यात्रा गर्यौं । त्यहाँका दयालु यहूदीहरूले हामीलाई शरण दिए । र नभन्दै हामीलाई चकित पार्दै, शब्ताई ज्वी पनि केही दिन पछि देखा पर्यो । उसलाई अबास लार्गासबाट ल्याइएको थियो, चिकु डियाबोको सम्पूर्ण गिरोहलाई गिरफ्तार गरिएको थियो ।

              एउटा सिपाहीले हामीलाई भन्यो कि उनीहरूले शब्ताई ज्वीलाई चट्टानमा बसेर चिकु डियाबोको शवलाई हेर्दै भेटेका थिए । “रक्सी खाएर मातेका डाँकुहरू जमिनभरी छरपष्ट थिए, घुर्दै थिए ।  जताततै मारिएका गाईवस्तु थिए र रक्सी । मैले यति धेरै रक्सी कहिल्यै देखेको थिईन । पहिले पानी भर्ने सबै भाँडोहरुमा अब रक्सी भरेको थियो ! बोतलहरू, जर्किनहरू, बाल्टिनहरू, बेसिनहरू, ब्यारेलहरू सबैमा । नजिकैको पोखरीको पानी रातो थियो । मलाई थाहा छैन त्यो गाईवस्तुको रगत थियो कि रक्सी थियो । तर मलाई लाग्छ त्यो रक्सी नै थियो ।”

            एक जना धनी आफन्तको सहयोगमा, लीब रुबिनले आफ्नो कपडाको पसल स्थापना गर्यो । त्यसपछि उनी रियल इस्टेटमा लाग्यो र पछि ठूलो सम्पत्ति जम्मा गर्दै फाइनान्स कम्पनी पनि  खोल्यो । शब्ताई ज्वी उनको एउटा फर्ममा काम गर्न थाल्यो जहाँ म पनि जागिरे भएँ । फिलिस्तिनी नाथन तस्करीमा संलग्न भयो, भाग्नुपर्याे र फेरि कहिल्यै देखिएन ।

          सन्ताको मृत्यु पछि, शब्ताई ज्वी र म अक्सर वारमा रक्सी पिउन भेट्छौं । अनि हामी रातभर त्यही बस्छौं । उ थोरै बोल्छ र म पनि कुरा गर्दिन । उसले रक्सी खन्याँउछ र हामी चुपचाप पिउछौं । मध्यरातमा उसले आँखा बन्द गर्छ, हातले गिलास समाती राख्छ र हिब्रू (वा अरमाइक, वा लाडिनो भाषा) का शब्दहरू गुनगुनाउँछ । रक्सी पानीमा परिणत हुन्छ । वार मालिकले यो केवल एक चाल हो भन्ने सोंच्दछ । जहाँसम्म मेरो कुरो छ, म मेरो सशँकित भावले मात्र हेर्छु ।

समाप्त

Quem Gosta

Seguidores