ESPELHO


Ao ver-te assentar em minha porta,
Com essas penas e dessa forma,
Animo-me em receber tua visita.

Não penses que não sei de tua história,
És só mais um, que na memória
Sentiu o horror da despedida.

Entra, assenta perto desse louco,
Diz se o que vês é só agouro
Ou se é só mal da solidão.

Nota que o teu medo não é novo,
Também sou eu, um mesmo entojo,
Não és tu, só, a Escuridão.

Então, o que viestes aqui fazer;
Viestes pra me ver morrer
Ou só pra não ficar sozinho?

Conheço bem esse desejo de querer
Olhar nos outros o sofrer
E aliviar o próprio caminho...

Quando o nosso Pai te disse: filho,
Guarda o teu mal ao teu juízo -
O que levou a tua queda?

Foi o segredo que devera não ser dito;
O querer mais descabido;
Ou estava cheio aquela terra?

Ó, inquilino miserável, vens a mim
Como um culpado, assim,
Querendo meu conselho!?

Nunca o terás, Hediondo Querubim,
Somos um só, e pronto, em fim:
Duas faces, um espelho...

Logo tu, que em cima d'uma macieira
Fez-nos saber da verdadeira
Razão de nossa existência;

Por que, Diabo, tua sina derradeira
É tão igual a nossa, e deixa-
Nos iguais na penitencia!?

Dúvida minha, é apenas parcimônia 
Que teima queimar, ness'acrimônia 
- Doudo desejo. Fomos vencidos...

Tu és meu sono e eu tua insônia,
Festins d'antiga Babilônia:
No fim, seremos esquecidos

Em tão cruel tentação de'star ferido
E agonizar, cego, perdido
À procurar um céu aberto...

Por isso tudo que eu sou levo comigo,
Somos um só, e, igual, Amigo:
Ardemo-nos no mesmo inferno! 


Itamar FS

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