Sílvio Romero
Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero foi um advogado, jornalista, crítico literário, ensaísta, poeta, historiador, filósofo, cientista político, sociólogo, escritor, professor e político brasileiro.
1851-04-21 Vila do Lagarto, Sergipe, Brasil
1914-06-18 Rio de Janeiro, Brasil
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1
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ABC do Vaqueiro em Tempo de Seca
(Ceará)
Agora triste começo
A manifestar o meu fado
Os meus Grandes aveixames
A vida de um desgraçado.
Bem queria nunca ser
Vaqueiro neste sertão
Para fim de não me ver
Em tamanha confusão.
Com cuidado levo o dia
E a noite a maginar
De manhã tirar o leite
Ir ao campo campear.
Domingos e dias santos
Sempre tenho que fazer.
Ou bezerros com bicheira.
Ou cavalos pra ir ver.
Enquanto Deus não dá chuva
Logo tudo desanima,
Somente mode o trabalho
Das malvadas das cacimbas.
Façam a todo o vaqueiro
Viver aqui sobre si,
Que entrando nesta vida
Diga: — Já me arrependi!
Grande é a tirania
De um dono de fazenda,
Que de pobre de um vaqueiro
Não tem compaixão nem pena.
Homem que tiver vergonha
Vaqueiro não queira ser,
Que as fazendas de agora
Nem dão bem para comer.
I no tempo que nós estamos
Ninguém tem opinião;
Para um dono de fazenda
Todo vaqueiro é ladrão.
Labora um pobre vaqueiro
Em tormentos tão compridos,
Quando é no remate de contas
Sempre é mal correspondido.
Mandam como a seu negro,
Uns tantos já se matando;
Ainda bem não tem chegado,
Já seus donos estão ralhando.
Não posso com esta lida,
Me causa grande desgosto,
Só por ver como vai
O suor deste meu rosto.
O bom Deus de piedade
A mim me queira livrar,
Enquanto vida tiver
E bens alheios tratar.
Para o mês de Sam João
Vou ver o que estou ganhando,
Quero pagar o que devo,
Inda lhe fico restando.
Querendo ter alguma cousa,
Não há de vestir camisa,
Visto isto que eu digo
O mesmo tempo me avisa.
Ralham contra os vaqueiros,
Nada se faz a seu gosto;
Se acaso morre um bezerro,
Na serra se toma outro.
Saibam todos os vaqueiros
Tratados bem de seus amos,
Se eles não têm consciência,
Logo nós todos furtamos.
Tudo isto que se vê
Inda não disse a metade,
Por causa do leite de vaca
Se quebra muita amizade.
Vou dar fim ao A, B, C,
Eu não quero mais falar,
Se fosse eu a dizer tudo
São capazes de me matar.
Xorem e chorarão
Com grande pena e pesar,
Somente mode um mumbica
Que dão pra se matar.
Zelo, zeloso,
Todos sabem zelar,
Que de um pobre vaqueiro
Sempre tem que falar.
In: ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro: cantos populares do Brasil. Pref. Luís da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1985. p.107-108. (Reconquista do Brasil. Nova série, 86
Agora triste começo
A manifestar o meu fado
Os meus Grandes aveixames
A vida de um desgraçado.
Bem queria nunca ser
Vaqueiro neste sertão
Para fim de não me ver
Em tamanha confusão.
Com cuidado levo o dia
E a noite a maginar
De manhã tirar o leite
Ir ao campo campear.
Domingos e dias santos
Sempre tenho que fazer.
Ou bezerros com bicheira.
Ou cavalos pra ir ver.
Enquanto Deus não dá chuva
Logo tudo desanima,
Somente mode o trabalho
Das malvadas das cacimbas.
Façam a todo o vaqueiro
Viver aqui sobre si,
Que entrando nesta vida
Diga: — Já me arrependi!
Grande é a tirania
De um dono de fazenda,
Que de pobre de um vaqueiro
Não tem compaixão nem pena.
Homem que tiver vergonha
Vaqueiro não queira ser,
Que as fazendas de agora
Nem dão bem para comer.
I no tempo que nós estamos
Ninguém tem opinião;
Para um dono de fazenda
Todo vaqueiro é ladrão.
Labora um pobre vaqueiro
Em tormentos tão compridos,
Quando é no remate de contas
Sempre é mal correspondido.
Mandam como a seu negro,
Uns tantos já se matando;
Ainda bem não tem chegado,
Já seus donos estão ralhando.
Não posso com esta lida,
Me causa grande desgosto,
Só por ver como vai
O suor deste meu rosto.
O bom Deus de piedade
A mim me queira livrar,
Enquanto vida tiver
E bens alheios tratar.
Para o mês de Sam João
Vou ver o que estou ganhando,
Quero pagar o que devo,
Inda lhe fico restando.
Querendo ter alguma cousa,
Não há de vestir camisa,
Visto isto que eu digo
O mesmo tempo me avisa.
Ralham contra os vaqueiros,
Nada se faz a seu gosto;
Se acaso morre um bezerro,
Na serra se toma outro.
Saibam todos os vaqueiros
Tratados bem de seus amos,
Se eles não têm consciência,
Logo nós todos furtamos.
Tudo isto que se vê
Inda não disse a metade,
Por causa do leite de vaca
Se quebra muita amizade.
Vou dar fim ao A, B, C,
Eu não quero mais falar,
Se fosse eu a dizer tudo
São capazes de me matar.
Xorem e chorarão
Com grande pena e pesar,
Somente mode um mumbica
Que dão pra se matar.
Zelo, zeloso,
Todos sabem zelar,
Que de um pobre vaqueiro
Sempre tem que falar.
In: ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro: cantos populares do Brasil. Pref. Luís da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1985. p.107-108. (Reconquista do Brasil. Nova série, 86
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