Francis Ponge
Francis Jean Gaston Alfred Ponge foi um poeta francês.
1899-03-27 Montpellier
1988-08-06 Cantón de Le Bar-sur-Loup
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A forma do mundo
É preciso, antes de tudo, que eu confesse uma tentação absolutamente encantadora, longa, característica, irresistível para meu espírito.
É a de dar ao mundo, ao conjunto das coisas que vejo ou que concebo através da visão, não, como faz a maioria dos filósofos, e como é certamente razoável, a forma de uma grande esfera, de uma grande pérola, mole e nebulosa, como que brumosa, ou, ao contrário, cristalina e límpida, da qual, como disse um deles, o centro estaria em toda parte e a circunferência em nenhuma, nem tampouco a de uma "geometria no espaço", a de um incomensurável tabuleiro, ou a de uma colmeia com inumeráveis alvéolos ao mesmo tempo vivos e habitados, ou mortos e abandonados, como certas igrejas que se tornaram celeiros ou cocheiras, como certas conchas, outrora adjacentes a um corpo em movimento e voluntário de molusco, as quais flutuam vazias pela morte, e não hospedam nada além da água e um pouco de pedregulho, até o momento em que um bernardo-eremita as escolherá para habitáculo e nelas se pregará pela cauda, e nem mesmo a de um imenso corpo da mesma natureza que o corpo humano, do mesmo modo que o poderíamos imaginar, considerando-se os sistemas planetários como equivalentes aos sistemas moleculares, e aproximando-se o telescópico do microscópico.
Mas, antes, de um modo bem arbitrário ao mesmo tempo, a forma das coisas mais particulares, as mais assimétricas e de reputação contingente (e não apenas a forma, mas todas as características, as particularidades de cores, de perfumes), como, por exemplo, um ramo de lilases, um camarão no aquário natural de rochas no molhe de Grau-du-Roi, uma esponja na minha banheira, um buraco de fechadura com uma chave dentro.
E com razão poderão zombar de mim, ou me pedirão que preste contas a um asilo, mas nisso encontro toda a minha alegria.
(Proêmes. Gallimard, 1948; Tradução: Adalberto Müller - Inédita)
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La forme du monde
Francis Ponge
Il faut d’abord que j’avoue une tentation absolument charmante, longue, caractéristique, irrésistible pour mon esprit.
C’est de donner au monde, à l’ensemble des choses que je vois ou que je conçois pour la vue, non pas comme le font la plupart des philosophes et comme il est sans doute raisonnable, la forme d’une grande sphère, d’une grande perle, molle et nébuleuse, comme brumeuse, ou au contraire cristalline et limpide, dont comme l’a dit l’un d’eux le centre serait partout et la circonférence nulle part, ni non plus d’une "géométrie dans l’espace", d’un incommensurable damier, ou d’une ruche aux innombrables alvéoles tour à tour vivantes et habitées, ou mortes et désaffectées, comme certaines églises sont devenues des granges ou des remises, comme certaines coquilles autrefois attenues à un corps mouvant et volontaire de mollusque, flottent vidées par la mort, et n’hébergent plus que de l’eau et un peu de fin gravier jusqu’au moment où un bernard-l’hermite les choisira pour habitacle et s’y collera par la queue, ni même d’un immense corps de la même nature que le corps humain, ainsi qu’on pourrait encore l’imaginer en considérant dans les systèmes planétaires l’équivalent des systèmes moléculaires et en rapprochant le télescopique du microscopique.
Mais plutôt, d’une façon tout arbitraire et tour à tour, la forme de choses les plus particulières, les plus asymétriques et de réputation contingentes (et non pas seulement la forme mais toutes les caractéristiques, les particularités de couleurs, de parfums), comme par exemple une branche de lilas, une crevette dans l’aquarium naturel des roches au bout du môle du Grau-du-Roi, une serviette-éponge dans ma salle de bain, un trou de serrure avec une clef dedans.
Et à bon droit sans doute peut-on s’en moquer ou m’en demander compte aux asiles, mais j’y trouve tout mon bonheur.
(1928)
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