Os Antepassados
Meu tio José gostava de ficar
debruçado sobre a cerca escura da piscina
depois do jantar, ouvindo o bater da água, o coaxar dos sapos
no duplo prazer
de escutar as estrelas passando sobre a fazenda
e fazer a digestão, peidando.
Morreu de câncer nos intestinos
mas sua alma saiu pelos olhos.
Meu avô também morreu de olhos abertos
escancarados
para o teto...
o céu estrelado da sua infância,
não importa que na verdade fosse o céu cego de S. Paulo.
Aliás, São Paulo também é céu estrelado, é o reino da minha infância.
São Paulo para mim é desejo grande
de ser feliz e de voltar a ser o que se foi.
Todo lugar é lugar de esperança, todo corpo é lar
para o ser humano.
Meu avô Renato, de quem herdei o nome
e essa maneira de andar
entre inúmeras outras coisas que nem sei, além
do bem e do mal,
morreu neurastênico.
Morreu sem viajar muito pra lá de Minas...
sem conhecer
a sua bisneta, minha filha.
Morreu como eu vou morrer um dia
definido por seu espaço e seu tempo.
Morreu como morrem todos,
pleno e culpado, vazio
e completo
(ao mesmo tempo imperfeito e perfeito).
Meu tio José já morreu faz tempo,
poucas pessoas ainda tem saudades.
Meu avô morreu um pouco mais tarde.
A morte é natural
como a sombra crescente da tarde
cobrindo pouco a pouco a cidade,
escurecendo a cerca da piscina e a fazenda inteira.
Já é quase noite, depois do jantar
me retiro para o quarto a escutar as estrelas.
Estou no Rio de Janeiro
onde minha filha nasce e já é criança.
É a vida que passa, e cada um de nós, passando
empurra mais para longe, mais para o escuro
os seus antepassados.
Talvez tendo filhos nós os ajudemos de alguma forma.
Talvez assim paguemos nossas dívidas da carne.
Escuto saudoso as estrelas, o jantar me pesa no estômago,
produz gazes.
Minha filha brinca com seu corpo ainda ileso.
Já é tarde, digo, pra cama, Renata, olha o bicho-papão!
O bicho-papão viajando pelas estrelas e pela carne.
Rio de Janeiro, 13 de fevereiro 1997
debruçado sobre a cerca escura da piscina
depois do jantar, ouvindo o bater da água, o coaxar dos sapos
no duplo prazer
de escutar as estrelas passando sobre a fazenda
e fazer a digestão, peidando.
Morreu de câncer nos intestinos
mas sua alma saiu pelos olhos.
Meu avô também morreu de olhos abertos
escancarados
para o teto...
o céu estrelado da sua infância,
não importa que na verdade fosse o céu cego de S. Paulo.
Aliás, São Paulo também é céu estrelado, é o reino da minha infância.
São Paulo para mim é desejo grande
de ser feliz e de voltar a ser o que se foi.
Todo lugar é lugar de esperança, todo corpo é lar
para o ser humano.
Meu avô Renato, de quem herdei o nome
e essa maneira de andar
entre inúmeras outras coisas que nem sei, além
do bem e do mal,
morreu neurastênico.
Morreu sem viajar muito pra lá de Minas...
sem conhecer
a sua bisneta, minha filha.
Morreu como eu vou morrer um dia
definido por seu espaço e seu tempo.
Morreu como morrem todos,
pleno e culpado, vazio
e completo
(ao mesmo tempo imperfeito e perfeito).
Meu tio José já morreu faz tempo,
poucas pessoas ainda tem saudades.
Meu avô morreu um pouco mais tarde.
A morte é natural
como a sombra crescente da tarde
cobrindo pouco a pouco a cidade,
escurecendo a cerca da piscina e a fazenda inteira.
Já é quase noite, depois do jantar
me retiro para o quarto a escutar as estrelas.
Estou no Rio de Janeiro
onde minha filha nasce e já é criança.
É a vida que passa, e cada um de nós, passando
empurra mais para longe, mais para o escuro
os seus antepassados.
Talvez tendo filhos nós os ajudemos de alguma forma.
Talvez assim paguemos nossas dívidas da carne.
Escuto saudoso as estrelas, o jantar me pesa no estômago,
produz gazes.
Minha filha brinca com seu corpo ainda ileso.
Já é tarde, digo, pra cama, Renata, olha o bicho-papão!
O bicho-papão viajando pelas estrelas e pela carne.
Rio de Janeiro, 13 de fevereiro 1997
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