Pedro Nava

Pedro Nava

Pedro da Silva Nava foi um médico e escritor brasileiro. Formou-se em Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais em 1927 e participou da geração modernista de Belo Horizonte.

1903-01-01 Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
1984
27519
0
14


Alguns Poemas

Reflexos

Poça

Pedra

Tibloung
blong

A água espelho rachado
salpica pingos que
são pedras
preciosas
que são vidro
são aço
são água

Pingo
pingou
a floculação de bolhas subiu
a superfície espelho estalou
bolas
borbulhando

CONCÊNTRICOS

anel
os anéis
mais anéis
amassando alongando

uma paisagem que se desloca
centrífuga
tremida
sa-cu-di-da

Brilhos
prata
coriscos
riscos
prismas

Telhados moles aplastam-se misturando-se
às janelas molambos em
oscilações tombos
b a m b o s
rolando
no reflexo imprevisto

Onda
margem
schlapp
plap
plaff

O círculo
abre
afasta-se
fecha
vai
vem
com preguiça
mo - le - men - te

Os telhados bêbados
tentaculisam cumieiras
as chaminés
virguladas
são serpentes
que se imobilizam
devagar
devagar

O polvo de ouro recolhe os braços
desemaranha-os
e como uma pasta
resume-se
bola
SOL

Janelas

parando

parando

paradas

pregadas

no espelho achatado das águas pesadas.


In: Pasta 72: Arquivo de Mário de Andrade. Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP

NOTA: Mário de Andrade comenta esse poema em sua primeira carta a Pedro Nava, datada de 9 mar. 1925: "Reflexos também é bom. Me lembra Ravel, Debussy. Alguns efeitos são realmente admiráveis. Aquele 'Onda-margem-schlapp-plap-plaff' é perfeito. Olhe: schlapp em alemão é: eu bamboleio. Acho bom você modificar a grafia, aliás injustificável no 'ch' quando temos um sinal puro para grafá-lo, o x. Bote xlapp, ou sxclapp. Tome também cuidado com certos exageros de síntese. Eu por mim confesso que já vou perdendo o entusiasmo que tive por essas tentativas

Toadas Pra Meu Irmão

Esse homem é brasileiro que nem eu.
(Mário de Andrade - DESCOBRIMENTO)


Nem eu posso conceder
que esta noite fina assim
seja a mesma noite assu
que assobra Taquarassu!

Que seja a mesma noite densa
soturno enorme abajada
escondendo o sofrimento
dos brasileiros calados!

Mas fosse a noite maior
mais densa, mais abajada
mesmo assim seria fraca
e se deixaria varar
pela ternura que eu mando
voando com a força do vento
— Meu pensamento rasgando
o assombro da noite assu
vai velar sono cansado
dos brasileiros calados...

O sono tão sossegado
de um brasileiro cansado
dormindo na noite assu
que esmaga Taquarassu!

Da cidade outro poeta
quer a distância varar
pra ver o sono do irmão
seu descanso proteger!

Dorme teu sono José...

(...)

Meu pensamento voando
nesta noite fina assim
vai fugindo da cidade
desgarra sertão afora
pra vigiar bem de perto
o doce sono sossegado
dum brasileiro calado!

Te beijo de leve nos olhos
te beijo de leve na face
te beijo o cabelo inteirinho
te beijo no coração...

Brasileiro sossegado
dorme teu sono calado...

Dorme teu sono José...
E me perdoa, meu Mano
se eu não posso cantar
cantos mansos pro teu sono!
Quem me dera, mas não posso!
Pois na noite da cidade
Só de pensar no teu sono,
as veias ficaram doendo
O corpo todo sem jeito
fiquei esquisito, palavra!
Coração no peito calado...
Que dor nos nervos senti
de não ter voz pra falar
(o coração no peito calado)
de não ter choro pra chorar
de palavra não achar,
dor(i)da boa sincera

como aquela comovida
achada por Mário de Andrade
(aquela tão comovida)
que acalantou de São Paulo
o brasileiro do Acre...
Te beijo o cabelo inteirinho
te beijo no coração...

Descansa na noite mansa
descansa, Mano, descansa...

1928


In: Pasta 72: Arquivo de Mário de Andrade. Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP

NOTA: Mário de Andrade comenta esse poema em carta a Pedro Nava datada de 25 fev. 1928: "Gosto. Talvez um pouco possam ser sintetizadas, a idéia vai repetindo muito. Quanto a ser imitação, não é. É o mesmo ritmo de inspiração porém a citação inicial e o final justificam isso. (...) Quem acusasse você de plágio ou de aluno mostrava bobagem. O que tem de parecido nos dois poemas é consciente, sem pasticho nem plágio". Referência aos "Dois Poemas Acreanos" (I - Descobrimento; II - Acalanto do Seringueiro), do livro CLÃ DO JABUTI (1927), de Mário de Andrad
Pedro Nava (Juiz de Fora MG, 1903 - Rio de Janeiro RJ, 1984) formou-se em Medicina na Universidade de Minas Gerais, em 1927, carreira à qual se dedicaria. Anos antes, em 1923 e 1924, participara no Grupo Estrela; também fora integrante do grupo de A Revista, publicação modernista, com Carlos Drummond de Andrade, Gregoriano Canedo, Martins de Almeida e João Alphonsus. Em 1924, ainda, teve encontro com a caravana modernista, de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral, que mostrava o país ao poeta francês Blaise Cendrars. Nos anos seguintes correspondeu-se com Mário de Andrade. Em 1946 seu poema O Defunto foi publicado na Antologia dos Poetas Bissextos Contemporâneos, organizada por Manuel Bandeira. Entre 1972 e 1983 publicou suas memórias em Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro, Beira-Mar, Galo-das-Trevas e O Círio Perfeito, que ganhou o prêmio de Livro do Ano, concedido pelo Museu de Literatura da Secretaria de Cultura do Estado. A poesia de Pedro Nava é bissexta, isto é, esporádica, concentrando-se entre os anos 1925/1944, quando se corresponde com Mário de Andrade. Até o lançamento deste Panorama (20 nov. 2001), grande parte dessa produção estava inédita nos arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
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Excelente!
30/junho/2019

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