Vicente de Carvalho
Vicente Augusto de Carvalho foi um advogado, jornalista, político, abolicionista, fazendeiro, deputado, magistrado, poeta e contista brasileiro.
1866-04-05 Santos, São Paulo, Brasil
1924-04-22 São Paulo
66062
0
27
Sonho Póstumo
I
Poupem-me, quando morto, à sepultura: odeio
A cova, escura e fria.
Ah! deixem-me acabar alegremente, em meio
Da luz, em pleno dia.
O meu último sono eu quero assim dormi-lo:
— Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado.
Bailem sobre o meu corpo asas trêmulas, asas
Palpitando de leve,
De insetos de ouro e azul, ou rubros como brasas,
Ou claros como neve.
De entre moutas em flor, oscilantes na aragem,
Úmidas e cheirosas,
Espalhando em redor frescuras de folhagem,
E perfumes de rosas,
Subam, jovializando o ar, canções suaves
— A música sonora
Em que parece rir a alegria das aves,
Encantadas da aurora.
E cada flor que um galho acaso dependura
À beira dos caminhos
Entreabra o seio ao sol, às brisas, à doçura
De todos os carinhos.
Passe em redor de mim um frêmito de gozo
E um calor de desejo,
E soe o farfalhar das árvores, moroso
Como o rumor de um beijo.
Palpite a natureza inteira, bela e amante,
Volutuosa e festiva.
E tudo vibre e esplenda, e tudo fulja e cante,
E tudo sonhe e viva.
A sepultura é noute onde rasteja o verme...
Ó luz que eu tanto adoro,
Amortalha-me tu! E possa eu desfazer-me
No ar claro e sonoro!
Publicado no livro Poemas e Canções (1908).
In: CARVALHO, Vicente de. Poemas e canções. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 196
Poupem-me, quando morto, à sepultura: odeio
A cova, escura e fria.
Ah! deixem-me acabar alegremente, em meio
Da luz, em pleno dia.
O meu último sono eu quero assim dormi-lo:
— Num largo descampado,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado.
Bailem sobre o meu corpo asas trêmulas, asas
Palpitando de leve,
De insetos de ouro e azul, ou rubros como brasas,
Ou claros como neve.
De entre moutas em flor, oscilantes na aragem,
Úmidas e cheirosas,
Espalhando em redor frescuras de folhagem,
E perfumes de rosas,
Subam, jovializando o ar, canções suaves
— A música sonora
Em que parece rir a alegria das aves,
Encantadas da aurora.
E cada flor que um galho acaso dependura
À beira dos caminhos
Entreabra o seio ao sol, às brisas, à doçura
De todos os carinhos.
Passe em redor de mim um frêmito de gozo
E um calor de desejo,
E soe o farfalhar das árvores, moroso
Como o rumor de um beijo.
Palpite a natureza inteira, bela e amante,
Volutuosa e festiva.
E tudo vibre e esplenda, e tudo fulja e cante,
E tudo sonhe e viva.
A sepultura é noute onde rasteja o verme...
Ó luz que eu tanto adoro,
Amortalha-me tu! E possa eu desfazer-me
No ar claro e sonoro!
Publicado no livro Poemas e Canções (1908).
In: CARVALHO, Vicente de. Poemas e canções. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 196
1464
0
Mais como isto
Ver também